CRIMES AMBIENTAIS E OS PRINCÍPIOS DA RESERVA LEGAL E DA TAXATIVIDADE DO TIPO EM DIREITO PENAL
I - Importância da proteção ao meio ambiente.
Neste início de século XXI soa natural que se defenda, com
toda energia, a importância da proteção jurídica do meio ambiente. No Brasil, em particular, nos últimos vinte anos, três fatores foram determinantes na conscientização da relevância da preservação ambiental: Primeiro, a vigência da Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente; segundo, a inserção no texto da Constituição da República, de 05 de outubro de 1988, de capítulo específico sobre o meio ambiente, a partir do artigo 225, que proclama: "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações"; terceiro, a realização no Rio de Janeiro, em 1992, da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a ECO-92 e seus múltiplos resultados.
Consoante, a observação de PAULO DE BESSA ANTUNES
"o desenvolvimento econômico no Brasil sempre se fez de forma degradadora e poluidora, pois calcado na exportação de produtos primários, que eram extraídos sem qualquer preocupação com a sustentabilidade dos recursos, e, mesmo após o início da industrialização, não se teve qualquer cuidado com a preservação dos recursos ambientais. Atualmente, percebe-se a existência de vínculos bastante concretos entre a preservação ambiental e a atividade industrial. Esta mudança de concepção, contudo, não é linear e, sem dúvida, podemos encontrar diversas contradições e dificuldades na implementação de políticas industriais que levem em conta o fator ambiental e que, mais do que isto, estejam preocupadas em assegurar a sustentabilidade da utilização de recursos ambientais”. "A concepção do desenvolvimento sustentado tem em vista a tentativa de conciliar a preservação dos recursos ambientais e o desenvolvimento econômico. Pretende-se que, sem o esgotamento desnecessário dos recursos ambientais, haja a possibilidade de garantir uma condição de vida mais digna e humana para milhões e milhões de pessoas, cujas atuais condições de vida são absolutamente inaceitáveis . É na busca de tais modificações que temos visto o surgimento de um imenso movimento de massas que se organiza em escala planetária na defesa do meio ambiente e da qualidade de vida" (ANTUNES, Paulo de Bessa, Direito Ambiental, Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 2000, 4.ª edição, p. 13/16).
"prevenir a degradação do meio ambiente no plano nacional e internacional é concepção que passou a ser aceita no mundo jurídico especialmente nas últimas três décadas . A implementação do princípio da precaução não tem por finalidade imobilizar as atividades humanas. Não se trata da precaução que tudo impede ou que em tudo vê catástrofe ou males. O princípio da precaução visa à durabilidade da sadia qualidade de vida das gerações humanas e à continuidade da natureza existente no planeta. A precaução deve ser visualizada não só em relação às gerações presentes, como em relação ao direito ao meio ambiente das gerações futuras" (MACHADO, Paulo Affonso Leme, Direito Ambiental Brasileiro, Malheiros Editores, 2000, 8.ª edição, São Paulo, p. 46/48).
A expressão "meio ambiente", embora criticada por sua
redundância vernacular, tem sido aceita pela doutrina e pela legislação brasileira e estrangeira. A respeito, diz EDIS MILARÉ: "no conceito jurídico de meio ambiente podemos distinguir duas perspectivas principais: uma estrita e outra ampla. Numa visão estrita, o meio ambiente nada mais é do que a expressão do patrimônio natural e suas relações com e entre os seres vivos. Tal noção, é evidente, despreza tudo aquilo que não seja relacionado com os recursos naturais. Numa concepção ampla, que vai além dos limites estreitos fixados pela Ecologia tradicional, o meio ambiente abrange toda a natureza original (natural) e artificial, assim como os bens culturais correlatos. Temos aqui, então, um detalhamento do tema, de um lado com o meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, pela água, pelo ar, pela energia, pela fauna e pela flora, e, de outro lado, com o meio ambiente artificial (ou humano), formado pelas edificações, equipamentos e alterações produzidos pelo homem, enfim, os assentamentos de natureza urbanística e demais construções. Em outras palavras, quer-se dizer que nem todos os ecossistemas são naturais, havendo mesmo quem se refira a "ecossistemas naturais" e "ecossistemais sociais". Nessa perspectiva ampla, o meio ambiente seria "a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas" (MILARÉ, Edis, Direito do Ambiente, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2000, p. 52/53).
Este bem jurídico - meio ambiente - que não integra o elenco
dos bens jurídicos protegidos especificamente pelo velho Código Penal de 1940, está assim definido na Lei 6.938, de 1981: artigo 3.º , inciso I, "meio ambiente - o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas".
Esta Lei 6.938, que trata da política do meio ambiente,
estabelece que a mesma visará (artigo 4.º), dentre outros objetivos, "à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico" (inciso I); "à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida' (inciso VI) e "à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos"( inciso VII).
A Constituição Federal, no §3.º, de seu artigo 225, estabelece
que "as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados". II - Da insuficiência das normas administrativas de proteção ao meio ambiente.
O meio ambiente já era protegido, juridicamente, de modo
específico, por normas administrativas, no Brasil, em especial, após a vigência da Lei 6.938, de 1981. Todavia, percebia-se a ineficácia das normas meramente administrativas e, por isso, reclamava-se a edição de uma lei penal especial para proteção do meio ambiente.
JAIR LEONARDO LOPES ensina que "o sistema de proteção pela norma jurídico-penal é tão perfeito que os bens, de maior valor, são protegidos não somente contra o dano efetivo, mas, também, contra a sua simples exposição a perigo". "Por isso mesmo, sempre que determinado comportamento torna-se objeto de maior reprovação social, por ofender ou ameaçar bens ou valores aos quais a sociedade passe a atribuir maior importância, tal comportamento, em regra, vem a ser proibido, também, sob a ameaça de pena, como a mais eficaz técnica de proteção. Mas, ao contrário, do que alguns supõem, a maior eficácia da sanção penal não reside na sua severidade, mas na maior probabilidade de sua efetivação." (LOPES, Jair Leonardo, Curso de Direito Penal, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1996, 2.ª edição, p. 21).
Neste sentido, dizem WLADIMIR E GILBERTO PASSOS
DE FREITAS "a luta na defesa do meio ambiente tem encontrado no Direito Penal um de seus mais significativos instrumentos. Muitas são as hipóteses em que as sanções administrativas ou civis não se mostram suficientes para a repressão das agressões contra o meio ambiente. O estigma de um processo penal gera efeitos que as demais formas de repressão não alcançam" (PASSOS DE FREITAS, Wladimir e Gilberto, Crimes contra a Natureza, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2000, 6.ª edição, p. 30).
Igualmente defendendo a necessidade da tutela penal para o
meio ambiente, afirmou LUIZ REGIS PRADO "a imprescindível tutela penal do meio ambiente encontra supedâneo jurídico-formal no indicativo constitucional do art. 225, §3.º , da Carta Magna, e, em termos materiais, nas próprias necessidades existenciais do homem. Embora não seja modelo preferível de proteção legal - escolhido pelo legislador de 1998 - o reconhecimento da indispensabilidade de uma proteção penal uniforme, clara e ordenada, coerente com a importância do bem jurídico, as dificuldades de inserí-la no Código Penal, e ainda o crescente reclamo social de uma maior proteção do mundo em que vivemos, acabaram dando lugar ao surgimento da Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente (Lei 9605, de 12.02.1998)" (PRADO, Luiz Regis, Crimes contra o Ambiente, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1998, p. 15).
ELÁDIO LECEY, na mesma linha de consideração,
discorrendo sobre a utilidade do recurso ao Direito Penal na proteção do meio ambiente, escreveu: "sabidamente, o Direito Penal, pelos reflexos que podem advir de sua instrumentalização, como decorrência do caráter estigmatizante de uma condenação criminal (e da mera submissão a uma ação criminal), a atingir a dignidade, subjetiva e objetiva, da pessoa natural e até com possível reflexo na sua liberdade, bem como podendo atingir a honra objetiva (reputação) da pessoa jurídica, somente pode ser instrumentalizado para situações de relevância social e jurídico-penal, na linha do consagrado Direito Penal mínimo (entenda-se, uso do Direito Penal restrito ao necessário). Já destaquei, noutra oportunidade, a utilidade da instrumentalização do Direito Penal como resposta social, pela natureza do bem tutelado (o meio ambiente, bem autônomo e supra-individual, de modo que sua exposição a perigo ou sua ofensa apresentam-se como danosidade macrossocial), instrumento de pressão à solução do conflito, em razão do impacto da criminalização pela possibilidade de imposição de sanção e pelo seu caráter estigmatizante, instrumento de efetividade das normas gerais que protegem o ambiente, e, principalmente, instrumento de prevenção de dano ou perigo ao ambiente" (LECEY, Eládio, Proteção Penal das Unidades de Conservação, in Direito Ambiental das áreas protegidas, coordenação de Antônio Herman Benjamin, Ed. Forense Universitária, Rio de Janeiro, 2001, p. 330/1).
Por tudo isto, perfeitamente justificável, do ponto de vista
jurídico-penal, a edição da Lei de Crimes Ambientais, Lei 9605, de 12.02.1998, que entrou em vigor em 30 de março daquele ano. III - A Lei de Crimes Ambientais e os princípios da reserva legal e da taxatividade do tipo penal.
O Direito Penal, ao longo de sua história, em razão da própria
gravidade de suas sanções e do invocado caráter estigmatizador das mesmas e até da própria acusação criminal, foi se cercando de princípios fundamentais, garantidores da segurança jurídica das relações entre o Estado, editor das normas incriminadoras, e o cidadão, que pode ser sujeito passivo das respectivas sanções penais, as quais lhe podem privar a liberdade.
Dentre estes, destaca-se o princípio da reserva legal, inserido
no Brasil entre as cláusulas pétreas da Constituição (art. 5.º, inciso XXXIX) e que abre o nosso Código Penal: "não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal".
E, na evolução do Direito Penal, a partir da teoria da
tipicidade, tornou-se ainda maior a garantia individual. Não basta a lei prévia. É fundamental que a descrição do tipo penal seja cerrada, isto é, precisa em seus limites, de forma a permitir ao cidadão ter clara ciência da conduta que se quer proibir sob a ameaça da pena. Alguns chamam este de princípio da taxatividade do tipo penal.
A Lei de Crimes Ambientais (Lei 9605/98), a pretexto de dar
maior proteção ao meio ambiente, fez tabula rasa destes relevantes princípios de Direito Penal e, por isso, a nosso ver, contém graves inconstitucionalidades.
Na definição dos crimes ambientais o legislador usou e abusou
da inserção de "elementos normativos do tipo", exagerou no emprego de "normas penais em branco", pendentes de complementação por "leis", "regulamentos", "normas", "ato administrativo", "decisão judicial", "permissão", "licença", "autorização", "parecer", "registro", "proibição", além da utilização reiterada de conceitos imprecisos e fluídos, tais como "espécie rara", "ato de abuso", "recursos alternativos", "dano indireto", "especial preservação", "níveis tais", "destruição significativa", "imprópria para ocupação humana" e "obrigação de relevante interesse ambiental".
O Boletim "RT INFORMA", edição de dez.99/jan.2000, em
matéria intitulada "Lei Ambiental nasce torta, segundo juristas", afirma o seguinte: "o excesso de normas penais em branco, por sua vez, pode infringir o princípio da legalidade dos delitos e das penas, por tornar o tipo penal pouco taxativo, explicam os especialistas. "É preciso diminuir as hipóteses de normas penais em branco ou fazer com que seu preenchimento não encontre um vazio muito grande nas possibilidades do aplicador", sugere HERMAN BENJAMIN" (p. 5).
No dizer de MIRABETE, "vigora com o princípio da legalidade formal o princípio da taxatividade, que obriga a que sejam precisas as leis penais, de modo que não pairem dúvidas quanto a sua aplicação ao caso concreto. Infringe, assim, o princípio da legalidade a descrição penal vaga e indeterminada, que não possa determinar qual a abrangência exata do preceito da lei". (MIRABETE, Júlio Fabbrini, Código Penal Interpretado, Ed. Atlas, São Paulo, 1999, p. 98).
Daí a crítica que se faz aos chamados "tipos penais abertos" de
manifesta inconstitucionalidade. "As leis que definem crimes devem ser precisas, marcando exatamente a conduta que objetivam punir. Assim, em nome do princípio da legalidade, não podem ser aceitas leis vagas ou imprecisas, que não deixam perfeitamente delimitado o comportamento que pretendem incriminar - os chamados tipos penais abertos (HANS-HEINRICH JESCHECK, Tratado de Derecho Penal, Parte General, 4.ª ed., Granada, Editorial Comares, 1993, p. 223)" (DELMANTO, Celso, Código Penal Comentado, Ed. Renovar, 4.ª edição, Rio de Janeiro, 1998, p. 4).
Outra não é a lição de ALBERTO SILVA FRANCO para
quem "o apelo a uma redação genérica não significa, porém, que ele possa idear figuras criminosas com o emprego de expressões vagas ou ambíguas. Há que impor limite a esse processo de generalização, sob pena de inocular-se no sistema penal o vírus destruidor do princípio da legalidade, anulando-se, por via de conseqüência, a função garantidora do tipo". (FRANCO, Alberto Silva, O Princípio da Legalidade, in Temas de Direito Penal, São Paulo, Saraiva, 1986, p. 3).
Em suas considerações gerais sobre a Lei de Crimes
Ambientais, afirmou LUIZ REGIS PRADO "fica assentado seu caráter altamente criminalizador, visto que erige à categoria de delito uma grande quantidade de comportamentos que, a rigor, não deveriam passar de meras infrações administrativas ou, quando muito, de contravenções penais, em total dissonância com os princípios penais da intervenção mínima e da insignificância (v.g., arts. 32, 33, III, 34, 42, 44, 49, 52, 55, 60 etc.). Nesse contexto - prossegue o Professor - o legislador de 1998 é pródigo em se utilizar de conceitos amplos e indeterminados - muitas vezes eivados de impropriedades técnicas, lingüísticas e lógicas - permeados por cláusulas valorativas, e, freqüentemente, vazados em normas penais em branco (v. g. arts. 34, 38, 40, 45, 60 etc.), com excessiva dependência administrativa (v.g.: permissão, licença ou autorização da autoridade competente). Aliás, essa ligação por demais estreita com a disciplina administrativa é, em muitos casos, fonte primeira do que se deve evitar: a grande indeterminação das descrições típicas. A técnica de remissão só deve ser admitida em casos de indeclinável necessidade e dentro de certos parâmetros, entre os quais figura a exigência de certeza legal" (ob. cit., p. 16/17).
Semelhante é a crítica de LUÍS PAULO SIRVINSKAS,
quando afirma que "a norma penal em branco depende de uma complementação prévia para a sua adequada tipificação, sem a qual se torna inexeqüível. Esse tipo de norma pode advir da mesma fonte legislativa ou de atos administrativos. Trata-se de norma penal imperfeita. Binding se referia a ela como sendo "um corpo errante em busca de sua alma". Assim, a norma penal em branco afronta o princípio da reserva legal, pois há necessidade de uma tipificação completa. Se incompleta, deve ser descriminalizada a norma penal em branco, substituindo-se-lhe por sanções administrativas, no dizer de Montovani. Uma posição intermediária poderia ser a de permitir a coexistência da norma penal em branco com a norma complementadora, desde que esta viesse da mesma fonte legislativa. . Acredito que a norma penal em branco causaria uma insegurança enorme, pois se estaria outorgando poderes inconcebíveis ao administrador. Este, por sua vez, poderia criar verdadeiros tipos penais, contrariando o princípio da legalidade ou da reserva legal e o princípio do nullum crimen sine previa lege. Somente a lei poderia criar tipos penais. No meu entender, seria inadmissível deixar que mero ato administrativo crie novos tipos penais, que poderiam ser verdadeiros monstrengos" (SIRVINSKAS, Luís Paulo, Tutela Penal do Meio Ambiente, Ed. Saraiva, São Paulo, 1998, p. 16/17).
A nosso ver, a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9605/98) possui
alguns "tipos penais abertos", mais do meras normas penais em branco, que violam, por isso, a garantia constitucional do princípio da legalidade e seu desdobramento na exigência da taxatividade da descrição do tipo penal.
Passemos a analisar os principais casos.
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. § 1º. Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. § 2º. A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
As expressões "ato de abuso" e "recursos alternativos"
inseridas nas descrições das condutas incriminadas transformam estes tipos em exemplos de "tipos penais abertos".
Censurando o texto, LUÍS PAULO SIRVINSKAS faz várias
perguntas: "como interpretar a expressão praticar ato de abuso ? Outro erro de técnica legislativa que deve ser evitado. . As agravantes dos §§ 1.º e 2.º trazem à baila uma questão delicada, pois poderão submeter um professor ou cientista ao constrangimento de se sujeitar ao processo judicial por estar fazendo experiência "dolorosa" ou "cruel" em animal vivo. Ora, como saber se a experiência é "dolorosa" ou "cruel"? E se o cientista ou o professor utilizou anestésico para a realização da experiência ?Nas faculdades há criações de animais (ratos e coelhos) para a realização de experiências e/ou dissecações com o intuito de ensinar aos alunos a arte da Medicina. Muitos desses animais são sacrificados na realização de experiências úteis á humanidade. Como punir nesses casos ? Quais seriam os recursos alternativos ? Não seria um exagero punir nessas situações ? (ob. cit., p. 54/55).
JOSÉ GERALDO SILVA, comentando o art. 32 da Lei 9605,
escreve o seguinte: "elemento objetivo do tipo - trata-se de tipo penal aberto uma vez que o comportamento do agente não foi determinado" (SILVA, José Geraldo, Crimes Ambientais, in Leis Penais Especiais Anotadas, Editora Millennium, Campinas, 2001, 2.ª edição, p. 58).
ÉDIS MILARÉ, igualmente, discorrendo sobre o mesmo art.
32, afirma: "não se sabe, de início, o que vem a ser "praticar ato de abuso". De outro lado, "maus-tratos" é o nome jurídico da conduta constante do art.136 do Código Penal, que tipifica como crime "expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância .", cuja sanção é de dois meses a um ano de detenção ou multa - ou seja, menor do que a prevista para a prática de abuso ou maus-tratos em animais, que é de três meses a um ano de detenção e multa" (ob. cit., p. 370/1).
MIGUEL REALE JÚNIOR, em artigo intitulado "a lei hedionda dos crimes ambientais", aludindo ao referido art. 32, escreveu: "primeiramente, não se sabe o que vem a ser "praticar ato de abuso". De outro lado, "maus-tratos" é o nome jurídico da conduta constante do artigo 136 do Código Penal, que tipifica como crime "expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis ( .) ou abusando de meios de correção". A pena prevista para a conduta de por em risco a vida ou a saúde de pessoa sob sua guarda ou vigilância é de dois meses a um ano de detenção ou multa - ou seja, menor do que a prevista para a "prática de ato de abuso ou maus-tratos em animais". (Folha de São Paulo, Opinião, 06.04.98, p. 3).
A divergência entre os autores que defendem a validade do
texto, revela, na realidade, a sua inconstitucionalidade. WLADIMIR E GILBERTO PASSOS DE FREITAS, por exemplo, sustentam, quanto a experiências em cobaias, que os "recursos alternativos" "são, normalmente, as variadas formas de anestesia que evitam a dor" (ob. cit., p. 97). EDNA CARDOZO DIAS, muito ao contrário, entende como "recursos alternativos" "técnicas alternativas as que recorrem a química, matemática, radiologia, microbiologia e outros meios que permitem evitar o emprego de animais vivos em experiências de laboratório" . Diz, ainda, a
autora mineira, que "o Decreto 24.645/34 definiu 31 figuras típicas de maus-tratos em seu art. 3.º. A Lei de Contravenções Penais, em seu art. 64, fala da crueldade e dos trabalhos excessivos, sem contudo defini-los. O Decreto 3.179, de 21 de setembro de 1999, que regulamentou a Lei de Crimes Ambientais, não definiu o que é maus-tratos ou abuso. Por essa razão, entendemos que o Decreto 24.645/34 ficou revogado apenas em parte, e que devemos buscar em seu art. 3.º estas definições" [o art. 3.º, em seu inciso I, dispõe "consideram-se maus-tratos praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal"] (DIAS, Edna Cardozo, A Tutela Jurídica dos Animais, Ed. Mandamentos, Belo Horizonte, 2000, p. 157 e 166). LUIZ REGIS PRADO diz que "praticar ato de abuso" é "usar mal ou inconvenientemente - v.g., exigir trabalho excessivo do animal, extrapolar limites, prevalecer-se" (ob. cit., p. 51). Já CARLOS ERNANI CONSTANTINO escreve que "praticar significa realizar, efetuar; abuso é o uso errado ou excessivo" (CONSTANTINO, Carlos Ernani, Delitos Ecológicos, Ed. Jurídico Atlas, São Paulo, 2001, p. 120).
Outro dispositivo que merece exame, na mesma linha de
Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o artigo 27 do Decreto nº 99.274, de 06 de junho de 1990, independentemente de sua localização: Pena: reclusão, de um a cinco anos. § 1º Entende-se por Unidades de Conservação de Proteção Integral as Estações Ecológicas, as Reservas Biológicas, os Parques Nacionais, os Monumentos Naturais e os Refúgios de Vida Silvestre. (NR) (Redação dada ao parágrafo pela Lei nº 9.985, de 18.07.2000, DOU 19.07.2000)
Nota: Assim dispunha o parágrafo alterado: "§ 1º. Entende-se por Unidades de Conservação as Reservas Biológicas, Reservas Ecológicas, Estações Ecológicas, Parques Nacionais, Estaduais e Municipais, Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais, Áreas de Proteção Ambiental, Áreas de Relevante Interesse Ecológico e Reservas Extrativistas ou outras a serem criadas pelo Poder Público."
§ 2º A ocorrência de dano afetando espécies ameaçadas de extinção no interior das Unidades de Conservação de Proteção Integral considerada circunstância agravante para a fixação da pena. (NR) (Redação dada ao parágrafo pela Lei nº 9.985, de 18.07.2000, DOU 19.07.2000)
Nota: Assim dispunha o parágrafo alterado: "§ 2º. A ocorrência de dano afetando espécies ameaçadas de extinção no interior das Unidades de Conservação será considerada circunstância agravante para a fixação da pena."
§ 3º. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade. Art. 40-A. (VETADO) § 1º Entende-se por Unidades de Conservação de Uso Sustentável as Áreas de Proteção Ambiental, as Áreas de Relevante Interesse Ecológico, as Florestas Nacionais, as Reservas Extrativistas, as Reservas de Fauna, as Reservas de Desenvolvimento Sustentável e as Reservas Particulares do Patrimônio Natural. (AC) § 2º A ocorrência de dano afetando espécies ameaçadas de extinção no interior das Unidades de Conservação de Uso Sustentável será considerada circunstância agravante para a fixação da pena. (AC) § 3º Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade. (AC) (Artigo acrescentado pela Lei nº 9.985, de 18.07.2000, DOU 19.07.2000)
A expressão "causar dano indireto" é imprecisa e geradora de
insegurança jurídica, sendo incompatível com o princípio da taxatividade orientador da elaboração de tipos penais.
O vício não escapou a ÉDIS MILARÉ, que assim o comentou:
"incompreensível a menção a "dano indireto", cominando-se pena grave (um a cinco anos de reclusão) a uma conduta que não se sabe o que seja. Estranho tal rigorismo em relação a qualquer dano em Unidade de Conservação, quando se verifica que para a completa destruição de floresta nativa, consoante o disposto no art. 50, previu-se a modesta pena de detenção de três meses a um ano, e multa. Mais estranha é a referência , na lei, a artigo de mero Decreto, diploma que, como é notório, pode ser revogado ou modificado a qualquer momento segundo a vontade do governante, esvaziando o tipo penal. Fato, aliás, que não passou despercebido do Presidente da República, quando, nas razões do veto ao art. 81, referiu-se a impropriedade de remissão a texto de Decreto regulamentar. Demais disso, como acentua LUIZ REGIS PRADO "a previsão de modalidade culposa para a conduta ancorada no art. 40 - causar dano direto ou indireto a unidade de conservação - denota sensível enfraquecimento da função de garantia do tipo penal, já que a noção de dano indireto culposo é altamente nebulosa" (ob. cit., p. 372).
reconhece, sem rodeios, comentando o artigo 40, "trata-se de tipo penal aberto, devendo sua adequação típica ser efetuada diante do caso concreto" (GOMES, Celeste Leite dos Santos Pereira, Crimes contra o Meio Ambiente, Ed. Juarez de Oliveira, São Paulo, 2.ª edição, 1999, p. 136).
LUIZ REGIS PRADO, a respeito do art. 40, diz "causar dano significa originar, produzir, ocasionar, dar lugar a prejuízos, deteriorações, de qualquer ordem, contra a flora ou fauna locais, de forma direta ou indireta. A descrição da conduta típica é especialmente abstrata, para não dizer inexistente . O que vem a ser dano direto ou indireto ? Este último seria o dano realizado através ou por intermédio de, por meio de subterfúgio, mediato, derivado, oblíquo ou remoto ? Pense-se em dano indireto culposo ? Quid inde ? Trata-se de norma inconstitucional." (ob. cit., p. 90).
Idêntica a reflexão de LUÍS PAULO SIRVINSKAS: "outra questão tormentosa será apurar o que seja dano direto ou indireto. Adotou o nosso legislador a figura do dano culposo. O Código Penal Brasileiro desconhece essa figura. Não seria um excesso punir alguém pelo delito de dano culposo. O Código Penal Militar prevê a figura do dano culposo, porém tal hipótese é muito criticada pela doutrina, ou seja, se um indivíduo colide contra uma viatura militar sem causar lesões aos seus ocupantes, responde pelo delito de dano culposo na esfera militar, outro absurdo que deve ser evitado. Assim, como apurar e distinguir o dano indireto (caput) e o dano culposo (§3.º) ? (ob. cit., p. 68).
O original §1.º do art. 40, dando interpretação autêntica,
definia a expressão "unidades de conservação" mediante uma enumeração exemplificativa, que continha características de norma penal em branco, já que as várias "reservas", "estações", "parques" e "áreas" mencionadas careciam de definição em norma de complementação.
A questão da aplicação do art. 40 da Lei de Crimes Ambientais
ficou, ainda, mais complexa e até mesmo confusa com a sanção da Lei 9.985, de 18.07.2000, que institui o sistema nacional de "unidades de conservação da natureza", e os vetos opostos à respectiva proposição de lei.
O artigo 2.º da Lei 9985/00 deu um novo conceito de "unidade de conservação" (inciso I - "espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente, instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção").
O art. 39 desta mesma Lei 9985/00 pretendia dar uma nova
redação ao art. 40 da Lei 9605/98, introduzia um novo art. 40-A. Estes artigos foram vetados pelo Presidente da República, que, no entanto, sancionou os novos parágrafos do art. 40 e do art. 40-A, os quais fazem distinção entre "unidades de conservação de proteção integral" e "unidades de conservação de uso sustentável".
A nova redação proposta na respectiva proposição de lei, de
que resultou a Lei 9985/00, para os artigos 40 e 40-A, substituía a expressão "causar dano direto ou indireto às unidades de conservação" pela expressão "causar significativo dano à flora, à fauna e aos demais atributos naturais das unidades de conservação".
As razões do veto presidencial foram as seguintes:
"Tanto a nova redação que se pretende dar ao caput do art. 40 como a redada dada ao caput do art. 40-A da Lei n.º 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, afrontam todos os princípios que regem o Direito Penal, que exigem que a norma penal estabeleça, de modo claro e objetivo, a figura penal, o delito que se deseja reprimir, excluindo-se do seu aplicador a definição de sua ocorrência ou não. Em ambas alterações o legislador utilizou-se da expressão "causar dano significativo", de natureza puramente subjetiva, deixando ao alvedrio do aplicador da lei penal definir se a conduta do suposto infrator configura ou não o delito, tornando imprecisa a sua definição. Em suma, sua vigência importaria introduzir na legislação penal brasileira fator inarredável de insegurança na relação do cidadão com o Estado, em função da indefinição da figura delituosa que se deseja coibir."
Estes mesmos fundamentos nos levam a concluir , com mais
razão, pela inconstitucionalidade do texto original do art. 40, quando alude a "causar dano indireto".
Comentando a mudança legislativa resultante da sanção e dos
vetos à Lei 9.985, reconheceu ELÁDIO LECEY o seguinte: "como decorrência do projeto e dos vetos, ficou o crime de dano previsto no art.40 da Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente, com parcela de sua redação original (caput do art. 40 da Lei n.º 9605/98), parte com a introdução de nova redação ao mesmo artigo (§§ 1.º e 2.º) e ainda com parcela do acrescentado art. 40-A (vetado em seu caput), quais sejam, os §§ 1.º e 2.º. Permaneceu, ainda, o §3.º que prevê o delito culposo. Algo esdrúxulo, não há dúvida". (ob. cit., p. 337).
A mudança legislativa mereceu a seguinte crítica de LUIZ
FLÁVIO GOMES, em artigo publicado na FOLHA DE S.PAULO (03/10/00, Opinião, p. 3): "o art. 40, caput, da Lei Ambiental continua vigente, porém, agora, com uma importante modificação no seu parágrafo 1.º, isto é, ele só vale doravante para as unidades de conservação de proteção integral. No que se refere às unidades de conservação de uso sustentável (áreas de proteção ambiental, reservas ecológicas, etc) não há mais que se falar em delito, por falta de previsão legal. Com o veto do art. 40-A, tudo isso deixou de ser crime (houve abolitio criminis). . E o pior: esqueceu-se de vetar, tal como exigia a coerência, o parágrafo 3.º do art. 40-A, que prevê a forma culposa do delito e a redução da pena à metade. Resultado: sobrou a previsão de um delito culposo sem a descrição de nenhuma conduta criminosa e a cominação de uma pena inexistente. Já se sabia no Brasil da existência de inúmeros "delitos" sem pena (por exemplo, art. 95 da Lei 8.212/91); agora também temos "pena" sem delito !
Trata-se de inconstitucionalidade sobre inconstitucionalidade.
Outro tipo que merece idêntico exame é o artigo 54, relativo
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Neste dispositivo, as expressões "de qualquer natureza", em
"níveis tais" e "significativa" encerram a mesma incerteza legal mencionada nos casos anteriores.
CARLOS ERNANI CONSTANTINO anotou o grande
número de expressões neste artigo 54 e seus incisos e parágrafos que, a seu ver, seriam "elementos normativos do tipo": "No caput estão contidos nas expressões "de qualquer natureza" e "em níveis tais" (no tocante à poluição), bem como no adjetivo "significativa" (de destruição); no §2.º, encontram-se nas seguintes expressões: no inc. I, "imprópria"; no inc. II, "ainda que momentânea"; nos incs. III e IV, o adjetivo "público"; no inc. V, "em desacordo com as exigências estabelecidas em lei ou regulamentos"; no §3.º, estão contidos nas expressões "quando assim o exigir a autoridade competente", "medidas de precaução" e "dano ambiental grave ou irreversível". (ob. cit., p. 179).
"O tipo legal é extremamente amplo e vago - no dizer de LUIZ
REGIS PRADO - com cláusulas normativas, de cunho valorativo, que estão muito aquém das exigências do princípio da legalidade em sua vertente de taxatividade-determinação da lei penal. A expressão de qualquer natureza, reveladora de um objeto indeterminado, abrange seja qual for a espécie de forma de poluição, independentemente de seus elementos constitutivos (atmosférica, hídrica, sonora, térmica, por resíduos sólidos etc.). Já o termo em níveis tais exprime um certo quantum - suficiente - elevado o bastante para resultar ou poder resultar em lesão à saúde humana. Por destruição significativa da flora deve ser entendida aquela realizada de maneira expressiva, de gravidade considerável". (ob. cit., p. 147/8).
O mesmo autor, em entrevista ao Boletim RT INFORMA
disse: "a expressão "em níveis tais" é ambígua e o princípio da legalidade dos delitos e das penas exige que a conduta seja descrita de forma clara, taxativa e objetiva, para que se possa conhecer a matéria que se quer prever. Por isso, o artigo é de constitucionalidade duvidosa"(ob. cit., p. 5).
reconhece, aqui também sem rodeios, comentando agora o artigo 54, "trata-se de tipo penal aberto, sendo a sua adequação típica efetuada diante do caso concreto". (ob. cit., p. 144)
Por isso mesmo, ÉDIS MILARÉ, na análise do art. 54 caput
afirmou "importa destacar, também aqui, a falta de técnica na construção do tipo, que encerra dispositivo de duvidosa constitucionalidade, eis que demasiadamente aberto, destoante das exigências do princípio da legalidade e agressivo aos princípios da ampla e defesa e contraditório. Poluição em "níveis tais" e "destruição significativa" da flora encerram situações obscuras, ficando o seu entendimento e esclarecimento ao arbítrio do julgador, o que não se afaz com um Direito Penal moderno, que quer ver o transgressor sujeito à determinação da lei. A condenação justa é a que garante ao acusado a ampla defesa, o que só será possível se a ele for imputado um fato certo descrito como crime" (ob. cit., p. 374/5).
Sem razão, data máxima vênia, PAULO AFFONSO LEME
MACHADO, quando afirma "não entendo censurável o emprego das locuções "de qualquer natureza", "em níveis tais", pois todas essas expressões estão fortemente ligadas à possibilidade de causar perigo ou dano aos bens protegidos. É um tipo penal aberto, que, entretanto, não gera arbítrio do julgador, nem insegurança para o acusado" (ob. cit., p. 659).
Situação mais grave, a meu ver, ocorre com o tipo contido no
§3o. do mesmo artigo 54, in verbis:§ 3º. Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior (reclusão, de um a cinco anos) quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.
Esta figura penal é defendida pelos doutrinadores de Direito
Ambiental que, no âmbito desta disciplina, sustentam a importância do "princípio da precaução", segundo o qual são recomendáveis a adoção de medidas preventivas para evitar dano ao meio ambiente. Na "Declaração do Rio de Janeiro", conseqüente à ECO-92, inseriu-se o seguinte "princípio 15 - de modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental".
Neste tipo penal, no entanto, transferiu-se para o fiscal do
meio ambiente (de órgão ambiental federal, estadual ou municipal) o poder de singularizar a norma penal para transformar em crime uma conduta omissiva de uma empresa ou pessoa física determinada que venha a deixar de adotar uma certa medida de precaução que aquela autoridade lhe exigiu.
Há manifesto arbítrio para a autoridade administrativa
ambiental, que pode, por ato seu de caráter singular - dirigido a agente determinado - criar um tipo penal novo, através de uma simples notificação fiscal ambiental.
PAULO AFFONSO LEME MACHADO diz "publicada a decisão da autoridade, ou até cientificado pessoalmente o destinatário da decisão, quem a descumprir está querendo o resultado danoso ou assumindo o risco de produzí-lo. A consumação do crime ocorre pelo descumprimento das medidas ordenadas. Muitas vezes essas medidas serão: a suspensão momentânea das atividades de uma fábrica; a mudança do itinerário na circulação de veículos a motores ou a restrição a essa circulação; a determinação da utilização de combustível diferente ou a mudança repentina de tecnologia na produção. As medidas de precaução devem ser proporcionais ao risco e eqüitativas em relação aos destinatários, não privilegiando setores. As medidas de precaução poderão ser ordens motivadas da autoridade, não sendo necessariamente leis ou decretos" (ob. cit., p. 663).
WLADIMIR E GILBERTO PASSOS DE FREITAS, a
respeito deste §3.º do art. 54, admitem que "o tipo penal refere-se à exigência da autoridade competente. Ela pode dar-se de duas formas: a) diante de caso concreto a autoridade ambiental determina certa ação"; b) existe ordem genérica de como proceder em determinadas situações e o infrator, conhecendo-a, deixa de cumprí-la".(ob. cit., p. 183). Na primeira hipótese, com nosso protesto, a autoridade ambiental transforma-se em legislador para caso concreto determinado e singularizado.
Hoje, graças aos insistentes protestos da comunidade jurídica
brasileira, tendo à frente a Ordem dos Advogados do Brasil, o Presidente da República, por força da Emenda Constitucional n.º 32, de 11 de setembro de 2001, não pode mais baixar Medida Provisória sobre "direito penal" (art.62, §1.º, inciso I, alínea "b"). Vedou-se ao Chefe do Executivo, por sua exclusiva vontade, da noite para o dia, editar norma penal incriminadora, em respeito ao princípio da reserva legal.
Como admitir-se, no entanto, possa a autoridade ambiental
(por exemplo, o fiscal da FEAM que fizer uma notificação administrativa ambiental exigindo de certa pessoa medida de precaução que especificar) ter, por força deste §3.º do art. 54, o poder de criar o tipo penal ?
O princípio da precaução em Direito Ambiental pode justificar
a definição de infrações administrativas por desrespeito a recomendação singularizada para determinado agente pela autoridade administrativa ambiental, jamais para autorizá-la a transformar em crime o desrespeito à mesma.
Como derradeiro caso de tipo penal aberto, também, de
evidente inconstitucionalidade, o artigo 68:
Art. 68. Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental:
A expressão "obrigação de relevante interesse ambiental" é,
igualmente, imprecisa e fluída. CARLOS ERNANI CONSTANTINO tentou esclarecê-la e pecou pela mesma insegurança. Diz ele que "de relevante interesse ambiental quer dizer de grande importância ecológica"(ob. cit., p.219). A incerteza legal persiste. LUÍS PAULO SIRVINSKAS admite que "a lei não definiu o que seja essa obrigação. Somente a jurisprudência irá definir e delimitar o conceito de obrigação de relevante interesse ambiental" (ob. cit., p. 106). Mas os juízes e tribunais não são legisladores e não têm competência para criar o tipo penal, apenas podem aplicar o previamente definido, com precisão, em lei penal anterior.
reconhecem o risco para o cidadão com a imprecisão do dispositivo: "trata-se de tipo penal aberto, ou seja, cuja abrangência alcança uma grande quantidade de situações fáticas. Esse fato, que é inquestionável, exige prudência do Ministério Público e do Judiciário. É preciso que no caso concreto se examine detidamente a existência de dolo ou culpa, evitando-se o constrangimento de se submeter cidadãos às agruras do processo penal, sem que haja justa causa. Se não houver discernimento na apreciação dos fatos, as mais variadas atividades poderão, sob o critério subjetivo do autor da denúncia, configurar esse crime, em tese. . Objeto material: é difícil a especificação, em face da forma genérica do tipo e à multiplicidade de situações possíveis. Por vezes, ele nem mesmo existirá". (ob. cit.,p. 215/6).
Acertada a conclusão de ÉDIS MILARÉ, uma vez mais, na
análise do dispositivo em tela: "trata-se, também aqui, de tipo extremamente aberto, do qual é difícil (senão impossível) extrair situações definidas e precisas, em prejuízo dos valores da certeza e da segurança, essenciais à garantia dos direitos da pessoa humana. O que vem a ser "relevante interesse ambiental" ? Parece inevitável um componente de relatividade, ou mesmo de subjetividade, na apreciação desse interesse . como estabelecer a figura do crime ?" (ob. cit., p. 376). IV - Conclusão.
A pretexto da importância social que a tutela penal do meio
ambiente tem para a sua preservação, não se pode abandonar os princípios fundamentais de Direito Penal, garantistas da liberdade do cidadão, como os da legalidade e da tipicidade taxativa.
Como adverte LUIZ REGIS PRADO "a orientação político-criminal mais acertada é a de que a intervenção penal na proteção do meio ambiente seja feita de forma limitada e cuidadosa. Não se pode olvidar jamais que se trata de matéria penal, ainda que peculiaríssima, submetida de modo inarredável, portanto, aos ditames rígidos dos princípios constitucionais penais - legalidade dos delitos e das penas, intervenção mínima e fragmentariedade, entre outros - pilares que são do Estado de Direito democrático. A sanção penal é a ultima ratio do ordenamento jurídico, devendo ser utilizada tão-somente para as hipóteses de atentados graves ao bem jurídico ambiente. O Direito Penal nesse campo cinge-se, em princípio, a uma função subsidiária, auxiliar ou de garantia de preceitos administrativos, o que não exclui sua intervenção de forma direta e independente, em razão da gravidade do ataque" (ob. cit., p. 17).
Concluímos, invocando a arguta advertência de MIGUEL
REALE JÚNIOR: "a defesa imprescindível do meio ambiente não autoriza que se elabore e que o Congresso aprove lei penal ditatorial, seja por transformar comportamentos irrelevantes em crime, alçando, por exemplo, à condição de delito o dano culposo, seja fazendo descrição ininteligível de condutas, seja considerando crime infrações nitidamente de caráter apenas administrativo, o que gera a mais profunda insegurança" (Folha de S.Paulo, Opinião, 06.04.98, p. 3).
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