VIOLÊNCIA E INDIFERENÇA duas formas de mal-estar na cultura CATERINA KOLTAI Psicanalista, Professora do Departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais da PUC-SP
Miséria, violência e exclusão estão definitivamen- sendo aquilo que vem se interpor entre o tempo presente e a
te instadas no campo social. Basta circular por
morte certa – em que discursos racistas, fundamentalistas
qualquer metrópole do mundo – e São Paulo não
vêm se inserir onde faltam projetos de vida capazes de enla-
foge à regra, muito pelo contrário – para encontrarmos a cada
esquina, em todos os lugares públicos, homens, mulheres e
Violência e apatia em todas as suas formas são, a nosso
crianças miseráveis mendigando por um pouco de comida,
ver, os sintomas contemporâneos do mal-estar na civiliza-
quando não partindo para a agressão para conseguir sua dose
ção, tal qual definido por Freud, em sua obra de 1929, em
de crack. Violência da sociedade contra eles, violência deles
que trata do trágico da condição humana, e que, não por
acaso, é contemporânea do crack da bolsa de Nova York e
Seus corpos provocam em nós sentimentos diversos:
da ascenção do nazismo na Alemanha. Na opinião de Peter
medo, angústia, nojo, culpa, indiferença ou revolta, segun-
Gay, é a obra mais sombria de Freud, aquela onde o autor
do o passante e seu humor do dia. A presença desses exclu-
encara a questão da miséria humana – o que talvez explique
ídos não só perturba nossa consciência como também nos-
o súbito interesse que vem despertando nesse final de milê-
sos ideais sociais, já que nosso narcisismo nos leva a imaginar,
nio, após de ter sido, durante muito tempo, considerada uma
erroneamente certo, nossa sociedade fundada sobre a justiça
Psicanalistas, sociólogos e cientistas políticos parecem
É principalmente sobre essas reações afetivas provoca-
ter redescoberto Mal-estar nacivilização e acreditamos que
das pelo encontro cotidiano com a violência e miséria, efei-
o próprio título deste número da revista São Paulo emPers-
tos do mal-estar na civilização sobre nossa subjetividade, que
pectiva não seja estranho a este fato.
se pretende aprofundar neste artigo, principalmente porque
A verdade é que Freud nunca aceitou que a teoria psica-
a impressão é de que, cada vez mais, nossas reações são de
nalítica fosse reduzida a um mero ramo da medicina, razão
medo e angústia, quando não de nojo, e cada vez menos de
pela qual, ao longo de toda sua obra, tentou alargar o campo
culpa e revolta. E isso preocupa, ou melhor, assusta.
de competência de sua descoberta. Sempre reivindicou um
Essa passividade e incapacidade de revolta, assim como
direito de vista sobre as ciências do espírito invocando a arte,
a falta de projetos, coletivos ou individuais, parecem ser as
a história das civilizações e religiões, mitologia, literatura e
principais características desse final de século melancólico.
filosofia quando não a própria sociologia e pedagogia. No
Nesse momento de globalização das economias e da crise
entanto, nunca se referiu explicitamente à política, embora
que ela acarreta, estamos assistindo a um recrudescimento
“sua preocupação com a coisa política, quer por meio de
da violência e do religioso. É quando os indivíduos se sen-
alusões, metáforas ou perfifrases, seja por assim dizer
tem inseguros, lembra R. Zygouris (1998), quando seu tem-
onipresente” (Plon, 1998). A política diz respeito ao coleti-
po subjetivo não pode ser projetado num futuro – o projeto
vo e Freud sempre trabalhou a articulação entre singular e
VIOLÊNCIA E INDIFERENÇA: DUAS FORMAS DE MAL-ESTAR NA CULTURA
coletivo, desde Totem e Tabu, de 1914 até Moisés e o
O que não impede de nos perguntarmos por que em cer-
Monoteísmo, de 1939, mas principalmente em Mal-estar na
tos momentos da história prevalecem momentos de amor e
altruísmo e, em outros, de ódio e egoísmo. E é justamente
Com Totem e Tabu, Freud inaugura sua teoria do funda-
isto que nos ocorre: se diante desse miserável que encontra-
mento do social e da cultura. E o que diz ele? Afirma que a
mos temos a opção de estender a mão ou subir o vidro do
sociedade nasceu de um crime do qual a humanidade não se
carro e agredi-lo, por que cada vez mais essa segunda opção
libertará jamais: o assassinato do pai da horda primitiva,
vem se generalizando e a primeira escasseando?
cometido pelos filhos em conjunto, ao qual seguiu-se a guerra
Talvez seja o próprio Freud que nos dê a resposta, em um
civil entre os irmãos de uma mesma horda. Esse primeiro
livro escrito quase ao mesmo tempo que o anterior. É assim
crime consistiu no mero prelúdio de uma série de assassina-
que em Luto e melancolia, de 1915, chama nossa atenção
tos que parecem ser o corolário normal da existência huma-
para o fato de que tanto o luto quanto a melancolia têm sua
origem numa perda sofrida pelo indivíduo. A diferença re-
Precisamos admitir, infelizmente, admitir que tal aconte-
side no fato de que enquanto o enlutado paulatinamente as-
cimento não pertence apenas à história, mas continua pre-
simila a ausência do objeto amado e retorna à conduta nor-
sente em nossos dias, no cerne de nossas preocupações atu-
mal, o melancólico é incapaz de se livrar de seu tormento.
ais, até porque os meios colocados a serviço da guerra são,
Retomando uma hipótese de J. Hassoun (1995) acreditamos
hoje em dia, infinitamente mais destrutivos que aqueles dos
que essa indiferença que caracteriza nosso final de século
quais dispunham nossos antepassados. Esse primeiro con-
pode ser uma manifestação melancólica da impossibilidade
flito fratricida, seja qual for seu caráter mítico, longe de es-
de fazer o luto de certas ideologias e sonhos de fraternidade
tar resolvido ou esquecido, continua em ação. Não se trata
que alimentaram, em parte, o homem do século XX.
em absoluto de um momento histórico ultrapassado, mas de
Em Futuro de uma ilusão, de 1927, mostra que a cultura
uma fantasma estruturante, comum a todos os mortais.
e a civilização preenchem uma função primária de interdi-
Freudianamente falando, a humanidade nasce de um assas-
ções que se exercem de maneira privilegiada sobre três de-
sinato e o crime é fundador. Logo, não há como a violência
sejos instintivos: assassinato, canibalismo e incesto. Tais
não estar no âmago do humano, cada um de nós carregando
imposições são progressivamente internalizadas, o que não
impede que os desejos oriundos desses três instintos sejam
Visão certamente pessimista, que só foi se aprofundando
sempre suscetíveis de obter realização – Mal-estar na civili-
no decorrer da obra freudiana. É assim que em Reflexõeszação começa onde o anterior terminou, com uma discus-
para os tempos de guerra e de morte, de 1915 – escrito en-
são com Romain Rolland em torno do sentimento religioso.
quanto seus dois filhos se encontravam na frente de batalha
Logo a seguir, Freud se pergunta o que querem, afinal, os
– ele apela para a metapsicologia para refletir sobre os hor-
homens? E tem a resposta na ponta da língua: os homens,
rores da Primeira Guerra Mundial, catástrofe que de fato
afirma, aspiram à felicidade, embora tudo pareça se opor a
inaugurou o século XX, e se pergunta se a humanidade cons-
tal programa, embora a infelicidade, devida à dor do corpo,
tituída no crime e através do crime tem como não se dirigir
à hostilidade do mundo exterior e, principalmente, à insatis-
inevitavelmente para a destruição.
fação decorrente do relacionamento com os outros, seja muito
Constata que o homem, desde que existe, nunca cessou de
fazer guerras e de exterminar seu próximo. O homem primitivo,
Ele não se contenta, no entanto, com a simples constata-
diz ele, levava a morte tão a sério que, quando se tratava do es-
ção e tenta analisar as mediações que o esforço humano ela-
trangeiro inimigo, a morte era bem-vinda e desejava-se provocá-
borou coletivamente para compensar o desamparo –
la. Ser apaixonado, pior e mais cruel que os animais, nada o
Hilflosigskeit como ele o chama –, entre elas o trabalho, a
impedia de matar e devorar outros seres de sua mesma espécie.
magia, a arte, a religião e o conhecimento científico. A fun-
Quanto a nós, somos descendentes de ancestrais sanguinários,
ção de tais mediações é, segundo ele, assegurar a regula-
e, se renunciamos a tais pendores, foi única e exclusivamente
mentação da relação do homem com a natureza e com seus
porque fomos forçados pela civilização. Os valores morais da
civilização não devem nos fazer esquecer a verdadeira natureza
No capítulo III de Mal-estar na civilização, Freud levan-
do homem, diz Freud, a de que o ser humano não é nem bom
ta a hipótese de que o sofrimento humano poderia derivar,
nem ruim, é ambivalente, coabitando nele ódio e amor, altruís-
entre outros motivos, da insuficiência dos dispositivos que
regulamentam a relação dos homens entre si. Coloca, assim,
o problema do sofrimento humano frente a frente com o
lhor que eu que me oferece a possibilidade de amar nele meu
conjunto do campo simbólico. A insuficiência dos disposi-
próprio ideal. Mas se me é desconhecido, se não me atrai
tivos não decorre de uma imperfeição de uma faculdade que
por nenhuma qualidade pessoal e ainda não desempenhou
figuraria no inventário humano, mas da ambivalência ine-
nenhum papel em minha vida afetiva, me é bastante difícil
rente ao campo simbólico. Mais do que tais dispositivos, o
ter por ele a menor afeição (.) E, olhando mais de perto,
que está em jogo é a própria necessidade dos humanos em
esse estrangeiro não apenas não é digno de amor como, na
ter de recorrer a eles. Essa ambivalência é própria do huma-
maioria das vezes, para ser sincero, devo reconhecer que ele
no enquanto tal. No campo dos fenômenos de civilização, é
pode ser alvo da minha hostilidade e até de meu ódio Ele
essa ambivalência que sugere a Freud a seguinte formula-
não parece ter por mim a menor afeição. Quando lhe é útil,
ção: em decorrência de suas próprias invenções, o homem
não hesita em me prejudicar (.) pior ainda, mesmo que não
contemporâneo vê-se às voltas com uma extrema dependên-
lhe seja útil, desde que encontre aí algum prazer, não tem o
menor escrúpulo em me ofender, em me caluniar” (Freud,
Parece que o sujeito humano é incapaz de inventar dis-
positivos que aliviem seu sofrimento. O mal-estar no plano
Esta longa citação nos parece extremamente importante,
coletivo é o resultado da ambivalência dos sujeitos com re-
pois como tentamos demonstrar na tese O estrangeiro en-
lação àquilo que os humaniza. Mal-estar na civilização ter-
quanto conceito limite entre o Psicanalítico e o Político, de
mina com uma advertência: nunca o destino do gênero hu-
1997, ela permite enfatizar a idéia de que para Freud a
mano esteve tão ameaçado, na medida em que jamais os
fraternidade está fundada na segregação, o amor do seme-
indivíduos estiveram tão aptos a se exterminarem uns aos
lhante no ódio do diferente, uma vez que amor e ódio são os
dois sentimentos que movem o humano concomitantemen-
É ainda nesta obra que Freud aprofunda uma das três fon-
te, o homem sendo ambivalente por natureza.
tes do sofrimento humano: aquela que nasce do caráter
Para dar a essa agressividade seu fundamento teórico,
insatisfatório das relações humanas, em virtude da univer-
Freud avisa o leitor que deverá levar em conta a teoria das
salidade da hostilidade dos homens uns em relação aos ou-
pulsões, ou melhor, da dualidade pulsional que foi obrigado
tros e da crueldade inerente ao ser humano.
a elaborar após a Primeira Guerra Mundial, quando formula
Retomando o célebre Homo homini lupus, Freud refere-
a hipótese de uma pulsão de morte como fator intrínseco e
se explicitamente a Hobbes e chama a atenção para o fato de
inseparável da força vital. É assim que em Além do princí-
que, no cerne do desejo humano, é preciso reconhecer uma
pio doprazer, de 1920, irá opor amor e ódio, Eros e Thanatos,
agressividade. Não se trata simplesmente de uma reação de
considerando que esses conflitos pulsionais reinam, juntos
defesa própria ao indivíduo que se encontra em situação de
e ao mesmo tempo, tanto sobre a vida inconsciente do indi-
perigo, mas é instrumento e causa de seu gozo. Diz ele:
víduo quanto sobre sua vida social – como mostra ao intro-
“.essa tendência à agressão, que podemos perceber em nós
mesmos e cuja existência supomos também nos outros, cons-
Para Freud não existe pulsão agressiva em si, mas há um
titui o fator principal da perturbação em nossas relações com
dualismo pulsional que faz com que a pulsão de destruição
o próximo; é ela que impõe tantos esforços à civilização”
seja freqüentemente erotizada, aliando-se à sexualidade.
Nesse jogo entre Eros e Thanatos, para escapar à auto-
Logo, a exploração econômica, o uso violento do corpo
destruição, o indivíduo é levado a destruir o outro, ainda que
alheio, a humilhação, a opressão e o assassinato são figuras
sua necessidade de amor contrarie essa pulsão. Talvez isso
da agressividade. É possível, sim, unir os homens uns aos
explique por que os atos de violência têm sempre seus ob-
outros pelo amor. Para isso, no entanto, é preciso que alguns
fiquem de fora para receber as manifestações de
Enquanto conceito, a pulsão de morte é um monstro ló-
agressividade. Essa proposição é uma crítica severa ao man-
gico e, por isso mesmo, apto a designar a realidade humana
damento cristão do “Ama a teu próximo como a ti mesmo”,
como monstruosa em relação à de outros seres vivos. Basi-
que Freud confessa não entender e afirma ser estranha aos
camente, suprime qualquer esperança de uma possível har-
primitivos. Eis o que diz a esse respeito: “Meu amor é algo
monia entre o homem e o mundo, entre o homem e si mes-
infinitamente precioso que não tenho o direito de desperdi-
mo, entre seu bem e seu desejo. Esse conflito entre Eros e
çar sem prestar contas (.) Se amo um outro ser, de alguma
Thanatos, que atravessa tanto o processo civilizatório quan-
forma, ele tem que merecê-lo(.) Ele o merece se é tão me-
to o desenvolvimento individual, obriga-nos a concordar com
VIOLÊNCIA E INDIFERENÇA: DUAS FORMAS DE MAL-ESTAR NA CULTURA
B. Edelman que em seu texto Relire Malaise dans la
dos quais o politicamente correto é uma das manifestações
Civilization (1994) afirma que “na essência do homem não
mais significativas e aberrantes. Antagonismos étnicos,
encontramos nem amor pelo saber, nem desejo de verdade
lingüísticos e religiosos que haviam sido recalcados pela
ou justiça, nem tampouco vontade de paz universal, mas ódio,
Guerra Fria parecem estar explodindo em todos os cantos
violência ou, pior ainda, amor pelo caos e pelo desastre”. E
do mundo. Isso explica o ressurgimento do racismo e de fa-
que “a humanidade é suicida, pois, por um paradoxo
natismos religiosos em diversas partes do mundo, que aca-
inexplicável, se esforça por destruir aquilo que faz sua gran-
bam desembocando em guerras fratricidas, seja entre comu-
deza. O direito não cessa de ser contestado pela selvageria,
nidades de um mesmo país (vide ex-Iugoslávia), entre etnias
a democracia pela tirania, a cultura pelo auto-da-fé”. Nesse
(ex-Zaire), ou entre classes sociais (Brasil), quase como se a
final de século marcado pela dor, morosidade, banalidade
guerra civil generalizada fosse, hoje em dia, a Terceira Guerra
dos projetos e ideais, fracasso das instituições, desencanta-
mento, nostalgia, frutos da decepção ressentida pelos cida-
Esta parece ser uma questão da maior importância e atu-
dãos em relação à política e àqueles que a encarnam, fica a
alidade. Basta olharmos em torno de nós: África, América
impressão de que as constatações de Freud nada têm de ana-
Latina, ex-Europa do Leste, Ásia: a guerra civil vem sendo
crônico. Aos horrores já vividos nesse século XX – duas
utilizada por nossa civilização para regulamentar, segundo
guerras mundiais, bomba atômica e várias guerras civis, que
uma certa lógica, conflitos entre nações, homens, sejam quais
fizeram dele, na opinião de A. Finkelkraut (1998), o mais
forem as diferenças entre raças, culturas, religião.
terrível da história da humanidade – podemos ainda acres-
Economicamente, a especulação financeira vem se tor-
centar novos horrores econômicos e ecológicos, frutos do
nando mais importante que a produção industrial, os papéis
desenvolvimento cada vez maior da tecnologia, que
financeiros levando à acumulação do capital e à falsificação
pretensamente deveria garantir o bem-estar.
da riqueza, que até pouco tempo atrás era mensurável em
Não resta dúvida de que vivemos um período sui generis.
termos de produção e de capacidades industriais. Com a vi-
A própria idéia de unidade do gênero humano, conquistada
tória do liberalismo, a empresa passa a dar prioridade abso-
a duras penas pelos tempos modernos, já deu provas neste
luta aos acionários em detrimento dos assalariados e traba-
nosso século que não pode ser manipulada ingenua-
lhadores em geral. A palavra de ordem é preferir a
mente. Temos assistido com assombro, nos lembra o autor,
rentabilidade instantânea, medida pela Bolsa, a investimen-
à vaga condescendência com que o mundo observa a
banalização de milhares de vidas a quem é recusada a digni-
Dito de outro modo, valorizar o presente em detrimento
do futuro. O mesmo acontece com as decisões macroeconô-
A nova ordem mundial que vem se instalando atinge todo
micas, que também valorizam sistematicamente o presente
o planeta. Suas características são peculiares: uniformiza-
em detrimento do futuro. O elevado nível da taxa de juros, o
ção cada vez maior da vida cotidiana, normalização dos in-
medo obsessivo da inflação e a resignação perante o desem-
divíduos, ausência absoluta de projetos, tanto coletivos quan-
prego, tudo isso faz parte das representações coletivas de
to individuais, e uma aparente incapacidade de revolta. e
não que nos faltem motivos para tanto. Nos termos de
Do ponto de vista da cultura, ela deixou de ser o que cos-
Finkelkraut, o homem moderno acabou se tornando um tu-
tumava ser na sociedade ocidental, uma cultura-revolta, para
rista virtual, passando de cidadão a observador que, conectado
se transformar cada vez mais numa cultura-show, cultura-
à rede mundial de computadores, abole a topologia e a ex-
periência humana, por demais humana, da vizinhança. Em
Do ponto de vista do indivíduo, este tem cada vez mais
vez da disposição de partilhar o mundo com outros homens,
dificuldades de se projetar num futuro. Acreditamos que o
o que se tem é a mundialização do Eu.
projeto, a utopia, sejam psiquicamente necessários ao sujei-
Politicamente, assiste-se ao fim do Estado-Nação, em
to. Quando nos referimos a projeto, não estamos defenden-
proveito de um aquém (região) ou de um além (mundo, blo-
do esta ou aquela crença, esta ou aquela posição intelectual,
co econômico). A repressão não tem mais rosto, salvo espo-
mas tão apenas a capacidade de projetar o futuro, acreditar
radicamente em alguns lugares e em certos momentos. So-
ciologicamente, assiste-se àquilo que chamaria de tribalização
A criança para crescer precisa de um marco no horizon-
do mundo, caracterizada pela importância cada vez maior
te. É por isso que diz: quando crescer vou ser bombeiro. ou
que os grupos étnicos vêm assumindo no mundo de hoje,
qualquer outra coisa. O importante é que possa se pensar a
si mesma, projetando-se um futuro. O mesmo acontece com
dos deveres coletivos. O ideal do eu passou a se situar, a
o adulto, precisa de idéias, representações que se interpo-
partir daí, do lado de um desenvolvimento sem entraves das
nham entre o momento presente e o fim da vida: a morte. O
potencialidades do indivíduo. Deixou de se sentir atraído por
deprimido é justamente aquele que não possui mais nenhu-
um fora, por um dever, e dividido internamente por um con-
ma ilusão a não ser a idéia da morte como único indício de
flito que pode suscitar culpa e angústia.
um horizonte temporal e espacial. Ele é o avesso exato das
Em nossos dias, afirma Ehrenberg, a depressão ameaça o
normas de socialização. Não por acaso as pessoas vivem cada
indivíduo como o pecado assombrava a alma dirigida para
vez mais na base de pílulas da felicidade. Do Prozac ao
Deus ou a culpa ameaçava o homem marcado pelo conflito.
Viagra, parece que a tal felicidade que, como dizia Freud, é o
Vivemos em um mundo caracterizado por uma série de trans-
objetivo dos homens, só em pílulas e na farmácia da esquina.
gressões sem interdições, de escolhas sem renúncias, razão
Em vez de sonhos e utopias, temos no máximo discursos
pela qual, mais que uma miséria afetiva, a depressão con-
que prometem o fim da miséria e dias melhores, designando
temporânea vem se transformando num modo de viver.
um bode expiatório culpado por todos os males e priori-
Concordamos inteiramente com o autor. Cansados e va-
tariamente pelo desemprego: a grande ameaça deste final de
zios, agitados e violentos, vivemos um tempo sem futuro.
século. É isso que explica o recrudescimento das xenofobi-
Somos, segundo H. Arendt, homens “ressentidos”. Ressen-
as nos países industrializados, por exemplo, assim como a
tidos contra tudo que nos é dado, inclusive nossa própria
violência cada vez mais exacerbada contra os excluídos do
existência, ressentidos contra o fato de que não somos cria-
sistema no Brasil. Chacinas cotidianas, violência contra os
dores nem do universo nem de nós mesmos. Levados por
sem-terra, invasão do Carandiru e chacina da Candelária, não
esse ressentimento fundamental a não ver o menor sentido
no mundo tal como se apresenta, o homem moderno, na
Era possível até pouco tempo atrás lutar coletivamente
opinião de H. Arendt, proclama que tudo é permitido e crê
contra o patrão ou contra uma classe, mas como lutar contra
secretamente que tudo é possível. Sempre segundo a autora,
a globalização? O cidadão moderno está sem rumo e ora se
a gratidão é a única alternativa ao niilismo do ressentimen-
refugia na indiferença, ora parte para a violência contra aquele
to, gratidão fundamental pelas coisas elementares que nos
que imagina estar impedindo sua “felicidade”, roubando-lhe
são dadas: a própria vida, a existência do homem e o mun-
algo que no fundo nunca lhe pertenceu.
do. E aqui é fundamental salientarmos que são os homens, e
Atribuímos a essa falta de projetos, coletivos ou indivi-
não o homem, que habitam o mundo. E os homens incluem
duais, o fato de a depressão ter-se tornado nos dias de hoje
esses miseráveis que evitamos, dos quais nos desviamos, dos
um mal social, a ponto de poder afirmar que o deprimido se
quais sentimos medo e que nos são indiferentes. Enquanto o
tornou hoje em dia a figura patológica desse final de século,
indivíduo contemporâneo não reencontrar sua capacidade
como afirma A. Ehrenberg em seu livro La fatigue d’être
de revolta e indignação, continuaremos em pleno ressenti-
soi (1998), no qual explora as formas extremas do individua-
mento e longe de qualquer possibilidade de gratidão.
lismo contemporâneo. Em sua obra, o termo depressão re-cobre um conjunto heterogêneo de sintomas: astenia, indi-
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Introduction to Machine Learning and Data MiningProf. Dr. Igor Trajkovski, NYUS, Spring 2008– Recommending– Google / Yahoo like directory classification– Recommending– spam filtering– Sentiment analysis for marketing– classification– Personalized newspaper– Prioritizing – Folderizing– spam filtering– Advertising on GmailIntroduction to Machine Learning and Data MiningP
The Legacy of Paul Erdős Abstract Paul Erdős (Erdős Pál, 1913-1996) was one of the most influential mathematicians of the twentieth century. Erdős’ generation exhibited great talent due in part to the social and cultural changes between 1870 and 1930. In the 1930s, the Jewish Erdős left Hungary due to the worsening political climate, and eventually began a nomadic lifestyle