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VIOLÊNCIA E INDIFERENÇA
duas formas de mal-estar na cultura
CATERINA KOLTAI
Psicanalista, Professora do Departamento de Sociologia da Faculdade de Ciências Sociais da PUC-SP Miséria, violência e exclusão estão definitivamen- sendo aquilo que vem se interpor entre o tempo presente e a te instadas no campo social. Basta circular por morte certa – em que discursos racistas, fundamentalistas qualquer metrópole do mundo – e São Paulo não vêm se inserir onde faltam projetos de vida capazes de enla- foge à regra, muito pelo contrário – para encontrarmos a cada esquina, em todos os lugares públicos, homens, mulheres e Violência e apatia em todas as suas formas são, a nosso crianças miseráveis mendigando por um pouco de comida, ver, os sintomas contemporâneos do mal-estar na civiliza- quando não partindo para a agressão para conseguir sua dose ção, tal qual definido por Freud, em sua obra de 1929, em de crack. Violência da sociedade contra eles, violência deles que trata do trágico da condição humana, e que, não por acaso, é contemporânea do crack da bolsa de Nova York e Seus corpos provocam em nós sentimentos diversos: da ascenção do nazismo na Alemanha. Na opinião de Peter medo, angústia, nojo, culpa, indiferença ou revolta, segun- Gay, é a obra mais sombria de Freud, aquela onde o autor do o passante e seu humor do dia. A presença desses exclu- encara a questão da miséria humana – o que talvez explique ídos não só perturba nossa consciência como também nos- o súbito interesse que vem despertando nesse final de milê- sos ideais sociais, já que nosso narcisismo nos leva a imaginar, nio, após de ter sido, durante muito tempo, considerada uma erroneamente certo, nossa sociedade fundada sobre a justiça Psicanalistas, sociólogos e cientistas políticos parecem É principalmente sobre essas reações afetivas provoca- ter redescoberto Mal-estar na civilização e acreditamos que das pelo encontro cotidiano com a violência e miséria, efei- o próprio título deste número da revista São Paulo em Pers- tos do mal-estar na civilização sobre nossa subjetividade, que pectiva não seja estranho a este fato.
se pretende aprofundar neste artigo, principalmente porque A verdade é que Freud nunca aceitou que a teoria psica- a impressão é de que, cada vez mais, nossas reações são de nalítica fosse reduzida a um mero ramo da medicina, razão medo e angústia, quando não de nojo, e cada vez menos de pela qual, ao longo de toda sua obra, tentou alargar o campo culpa e revolta. E isso preocupa, ou melhor, assusta.
de competência de sua descoberta. Sempre reivindicou um Essa passividade e incapacidade de revolta, assim como direito de vista sobre as ciências do espírito invocando a arte, a falta de projetos, coletivos ou individuais, parecem ser as a história das civilizações e religiões, mitologia, literatura e principais características desse final de século melancólico.
filosofia quando não a própria sociologia e pedagogia. No Nesse momento de globalização das economias e da crise entanto, nunca se referiu explicitamente à política, embora que ela acarreta, estamos assistindo a um recrudescimento “sua preocupação com a coisa política, quer por meio de da violência e do religioso. É quando os indivíduos se sen- alusões, metáforas ou perfifrases, seja por assim dizer tem inseguros, lembra R. Zygouris (1998), quando seu tem- onipresente” (Plon, 1998). A política diz respeito ao coleti- po subjetivo não pode ser projetado num futuro – o projeto vo e Freud sempre trabalhou a articulação entre singular e VIOLÊNCIA E INDIFERENÇA: DUAS FORMAS DE MAL-ESTAR NA CULTURA coletivo, desde Totem e Tabu, de 1914 até Moisés e o O que não impede de nos perguntarmos por que em cer- Monoteísmo, de 1939, mas principalmente em Mal-estar na tos momentos da história prevalecem momentos de amor e altruísmo e, em outros, de ódio e egoísmo. E é justamente Com Totem e Tabu, Freud inaugura sua teoria do funda- isto que nos ocorre: se diante desse miserável que encontra- mento do social e da cultura. E o que diz ele? Afirma que a mos temos a opção de estender a mão ou subir o vidro do sociedade nasceu de um crime do qual a humanidade não se carro e agredi-lo, por que cada vez mais essa segunda opção libertará jamais: o assassinato do pai da horda primitiva, vem se generalizando e a primeira escasseando? cometido pelos filhos em conjunto, ao qual seguiu-se a guerra Talvez seja o próprio Freud que nos dê a resposta, em um civil entre os irmãos de uma mesma horda. Esse primeiro livro escrito quase ao mesmo tempo que o anterior. É assim crime consistiu no mero prelúdio de uma série de assassina- que em Luto e melancolia, de 1915, chama nossa atenção tos que parecem ser o corolário normal da existência huma- para o fato de que tanto o luto quanto a melancolia têm sua origem numa perda sofrida pelo indivíduo. A diferença re- Precisamos admitir, infelizmente, admitir que tal aconte- side no fato de que enquanto o enlutado paulatinamente as- cimento não pertence apenas à história, mas continua pre- simila a ausência do objeto amado e retorna à conduta nor- sente em nossos dias, no cerne de nossas preocupações atu- mal, o melancólico é incapaz de se livrar de seu tormento.
ais, até porque os meios colocados a serviço da guerra são, Retomando uma hipótese de J. Hassoun (1995) acreditamos hoje em dia, infinitamente mais destrutivos que aqueles dos que essa indiferença que caracteriza nosso final de século quais dispunham nossos antepassados. Esse primeiro con- pode ser uma manifestação melancólica da impossibilidade flito fratricida, seja qual for seu caráter mítico, longe de es- de fazer o luto de certas ideologias e sonhos de fraternidade tar resolvido ou esquecido, continua em ação. Não se trata que alimentaram, em parte, o homem do século XX.
em absoluto de um momento histórico ultrapassado, mas de Em Futuro de uma ilusão, de 1927, mostra que a cultura uma fantasma estruturante, comum a todos os mortais.
e a civilização preenchem uma função primária de interdi- Freudianamente falando, a humanidade nasce de um assas- ções que se exercem de maneira privilegiada sobre três de- sinato e o crime é fundador. Logo, não há como a violência sejos instintivos: assassinato, canibalismo e incesto. Tais não estar no âmago do humano, cada um de nós carregando imposições são progressivamente internalizadas, o que não impede que os desejos oriundos desses três instintos sejam Visão certamente pessimista, que só foi se aprofundando sempre suscetíveis de obter realização – Mal-estar na civili- no decorrer da obra freudiana. É assim que em Reflexões zação começa onde o anterior terminou, com uma discus- para os tempos de guerra e de morte, de 1915 – escrito en- são com Romain Rolland em torno do sentimento religioso.
quanto seus dois filhos se encontravam na frente de batalha Logo a seguir, Freud se pergunta o que querem, afinal, os – ele apela para a metapsicologia para refletir sobre os hor- homens? E tem a resposta na ponta da língua: os homens, rores da Primeira Guerra Mundial, catástrofe que de fato afirma, aspiram à felicidade, embora tudo pareça se opor a inaugurou o século XX, e se pergunta se a humanidade cons- tal programa, embora a infelicidade, devida à dor do corpo, tituída no crime e através do crime tem como não se dirigir à hostilidade do mundo exterior e, principalmente, à insatis- inevitavelmente para a destruição.
fação decorrente do relacionamento com os outros, seja muito Constata que o homem, desde que existe, nunca cessou de fazer guerras e de exterminar seu próximo. O homem primitivo, Ele não se contenta, no entanto, com a simples constata- diz ele, levava a morte tão a sério que, quando se tratava do es- ção e tenta analisar as mediações que o esforço humano ela- trangeiro inimigo, a morte era bem-vinda e desejava-se provocá- borou coletivamente para compensar o desamparo – la. Ser apaixonado, pior e mais cruel que os animais, nada o Hilflosigskeit como ele o chama –, entre elas o trabalho, a impedia de matar e devorar outros seres de sua mesma espécie.
magia, a arte, a religião e o conhecimento científico. A fun- Quanto a nós, somos descendentes de ancestrais sanguinários, ção de tais mediações é, segundo ele, assegurar a regula- e, se renunciamos a tais pendores, foi única e exclusivamente mentação da relação do homem com a natureza e com seus porque fomos forçados pela civilização. Os valores morais da civilização não devem nos fazer esquecer a verdadeira natureza No capítulo III de Mal-estar na civilização, Freud levan- do homem, diz Freud, a de que o ser humano não é nem bom ta a hipótese de que o sofrimento humano poderia derivar, nem ruim, é ambivalente, coabitando nele ódio e amor, altruís- entre outros motivos, da insuficiência dos dispositivos que regulamentam a relação dos homens entre si. Coloca, assim, o problema do sofrimento humano frente a frente com o lhor que eu que me oferece a possibilidade de amar nele meu conjunto do campo simbólico. A insuficiência dos disposi- próprio ideal. Mas se me é desconhecido, se não me atrai tivos não decorre de uma imperfeição de uma faculdade que por nenhuma qualidade pessoal e ainda não desempenhou figuraria no inventário humano, mas da ambivalência ine- nenhum papel em minha vida afetiva, me é bastante difícil rente ao campo simbólico. Mais do que tais dispositivos, o ter por ele a menor afeição (.) E, olhando mais de perto, que está em jogo é a própria necessidade dos humanos em esse estrangeiro não apenas não é digno de amor como, na ter de recorrer a eles. Essa ambivalência é própria do huma- maioria das vezes, para ser sincero, devo reconhecer que ele no enquanto tal. No campo dos fenômenos de civilização, é pode ser alvo da minha hostilidade e até de meu ódio Ele essa ambivalência que sugere a Freud a seguinte formula- não parece ter por mim a menor afeição. Quando lhe é útil, ção: em decorrência de suas próprias invenções, o homem não hesita em me prejudicar (.) pior ainda, mesmo que não contemporâneo vê-se às voltas com uma extrema dependên- lhe seja útil, desde que encontre aí algum prazer, não tem o menor escrúpulo em me ofender, em me caluniar” (Freud, Parece que o sujeito humano é incapaz de inventar dis- positivos que aliviem seu sofrimento. O mal-estar no plano Esta longa citação nos parece extremamente importante, coletivo é o resultado da ambivalência dos sujeitos com re- pois como tentamos demonstrar na tese O estrangeiro en- lação àquilo que os humaniza. Mal-estar na civilização ter- quanto conceito limite entre o Psicanalítico e o Político, de mina com uma advertência: nunca o destino do gênero hu- 1997, ela permite enfatizar a idéia de que para Freud a mano esteve tão ameaçado, na medida em que jamais os fraternidade está fundada na segregação, o amor do seme- indivíduos estiveram tão aptos a se exterminarem uns aos lhante no ódio do diferente, uma vez que amor e ódio são os dois sentimentos que movem o humano concomitantemen- É ainda nesta obra que Freud aprofunda uma das três fon- te, o homem sendo ambivalente por natureza.
tes do sofrimento humano: aquela que nasce do caráter Para dar a essa agressividade seu fundamento teórico, insatisfatório das relações humanas, em virtude da univer- Freud avisa o leitor que deverá levar em conta a teoria das salidade da hostilidade dos homens uns em relação aos ou- pulsões, ou melhor, da dualidade pulsional que foi obrigado tros e da crueldade inerente ao ser humano.
a elaborar após a Primeira Guerra Mundial, quando formula Retomando o célebre Homo homini lupus, Freud refere- a hipótese de uma pulsão de morte como fator intrínseco e se explicitamente a Hobbes e chama a atenção para o fato de inseparável da força vital. É assim que em Além do princí- que, no cerne do desejo humano, é preciso reconhecer uma pio do prazer, de 1920, irá opor amor e ódio, Eros e Thanatos, agressividade. Não se trata simplesmente de uma reação de considerando que esses conflitos pulsionais reinam, juntos defesa própria ao indivíduo que se encontra em situação de e ao mesmo tempo, tanto sobre a vida inconsciente do indi- perigo, mas é instrumento e causa de seu gozo. Diz ele: víduo quanto sobre sua vida social – como mostra ao intro- “.essa tendência à agressão, que podemos perceber em nós mesmos e cuja existência supomos também nos outros, cons- Para Freud não existe pulsão agressiva em si, mas há um titui o fator principal da perturbação em nossas relações com dualismo pulsional que faz com que a pulsão de destruição o próximo; é ela que impõe tantos esforços à civilização” seja freqüentemente erotizada, aliando-se à sexualidade.
Nesse jogo entre Eros e Thanatos, para escapar à auto- Logo, a exploração econômica, o uso violento do corpo destruição, o indivíduo é levado a destruir o outro, ainda que alheio, a humilhação, a opressão e o assassinato são figuras sua necessidade de amor contrarie essa pulsão. Talvez isso da agressividade. É possível, sim, unir os homens uns aos explique por que os atos de violência têm sempre seus ob- outros pelo amor. Para isso, no entanto, é preciso que alguns fiquem de fora para receber as manifestações de Enquanto conceito, a pulsão de morte é um monstro ló- agressividade. Essa proposição é uma crítica severa ao man- gico e, por isso mesmo, apto a designar a realidade humana damento cristão do “Ama a teu próximo como a ti mesmo”, como monstruosa em relação à de outros seres vivos. Basi- que Freud confessa não entender e afirma ser estranha aos camente, suprime qualquer esperança de uma possível har- primitivos. Eis o que diz a esse respeito: “Meu amor é algo monia entre o homem e o mundo, entre o homem e si mes- infinitamente precioso que não tenho o direito de desperdi- mo, entre seu bem e seu desejo. Esse conflito entre Eros e çar sem prestar contas (.) Se amo um outro ser, de alguma Thanatos, que atravessa tanto o processo civilizatório quan- forma, ele tem que merecê-lo(.) Ele o merece se é tão me- to o desenvolvimento individual, obriga-nos a concordar com VIOLÊNCIA E INDIFERENÇA: DUAS FORMAS DE MAL-ESTAR NA CULTURA B. Edelman que em seu texto Relire Malaise dans la dos quais o politicamente correto é uma das manifestações Civilization (1994) afirma que “na essência do homem não mais significativas e aberrantes. Antagonismos étnicos, encontramos nem amor pelo saber, nem desejo de verdade lingüísticos e religiosos que haviam sido recalcados pela ou justiça, nem tampouco vontade de paz universal, mas ódio, Guerra Fria parecem estar explodindo em todos os cantos violência ou, pior ainda, amor pelo caos e pelo desastre”. E do mundo. Isso explica o ressurgimento do racismo e de fa- que “a humanidade é suicida, pois, por um paradoxo natismos religiosos em diversas partes do mundo, que aca- inexplicável, se esforça por destruir aquilo que faz sua gran- bam desembocando em guerras fratricidas, seja entre comu- deza. O direito não cessa de ser contestado pela selvageria, nidades de um mesmo país (vide ex-Iugoslávia), entre etnias a democracia pela tirania, a cultura pelo auto-da-fé”. Nesse (ex-Zaire), ou entre classes sociais (Brasil), quase como se a final de século marcado pela dor, morosidade, banalidade guerra civil generalizada fosse, hoje em dia, a Terceira Guerra dos projetos e ideais, fracasso das instituições, desencanta- mento, nostalgia, frutos da decepção ressentida pelos cida- Esta parece ser uma questão da maior importância e atu- dãos em relação à política e àqueles que a encarnam, fica a alidade. Basta olharmos em torno de nós: África, América impressão de que as constatações de Freud nada têm de ana- Latina, ex-Europa do Leste, Ásia: a guerra civil vem sendo crônico. Aos horrores já vividos nesse século XX – duas utilizada por nossa civilização para regulamentar, segundo guerras mundiais, bomba atômica e várias guerras civis, que uma certa lógica, conflitos entre nações, homens, sejam quais fizeram dele, na opinião de A. Finkelkraut (1998), o mais forem as diferenças entre raças, culturas, religião.
terrível da história da humanidade – podemos ainda acres- Economicamente, a especulação financeira vem se tor- centar novos horrores econômicos e ecológicos, frutos do nando mais importante que a produção industrial, os papéis desenvolvimento cada vez maior da tecnologia, que financeiros levando à acumulação do capital e à falsificação pretensamente deveria garantir o bem-estar.
da riqueza, que até pouco tempo atrás era mensurável em Não resta dúvida de que vivemos um período sui generis.
termos de produção e de capacidades industriais. Com a vi- A própria idéia de unidade do gênero humano, conquistada tória do liberalismo, a empresa passa a dar prioridade abso- a duras penas pelos tempos modernos, já deu provas neste luta aos acionários em detrimento dos assalariados e traba- nosso século que não pode ser manipulada ingenua- lhadores em geral. A palavra de ordem é preferir a mente. Temos assistido com assombro, nos lembra o autor, rentabilidade instantânea, medida pela Bolsa, a investimen- à vaga condescendência com que o mundo observa a banalização de milhares de vidas a quem é recusada a digni- Dito de outro modo, valorizar o presente em detrimento do futuro. O mesmo acontece com as decisões macroeconô- A nova ordem mundial que vem se instalando atinge todo micas, que também valorizam sistematicamente o presente o planeta. Suas características são peculiares: uniformiza- em detrimento do futuro. O elevado nível da taxa de juros, o ção cada vez maior da vida cotidiana, normalização dos in- medo obsessivo da inflação e a resignação perante o desem- divíduos, ausência absoluta de projetos, tanto coletivos quan- prego, tudo isso faz parte das representações coletivas de to individuais, e uma aparente incapacidade de revolta. e não que nos faltem motivos para tanto. Nos termos de Do ponto de vista da cultura, ela deixou de ser o que cos- Finkelkraut, o homem moderno acabou se tornando um tu- tumava ser na sociedade ocidental, uma cultura-revolta, para rista virtual, passando de cidadão a observador que, conectado se transformar cada vez mais numa cultura-show, cultura- à rede mundial de computadores, abole a topologia e a ex- periência humana, por demais humana, da vizinhança. Em Do ponto de vista do indivíduo, este tem cada vez mais vez da disposição de partilhar o mundo com outros homens, dificuldades de se projetar num futuro. Acreditamos que o o que se tem é a mundialização do Eu.
projeto, a utopia, sejam psiquicamente necessários ao sujei- Politicamente, assiste-se ao fim do Estado-Nação, em to. Quando nos referimos a projeto, não estamos defenden- proveito de um aquém (região) ou de um além (mundo, blo- do esta ou aquela crença, esta ou aquela posição intelectual, co econômico). A repressão não tem mais rosto, salvo espo- mas tão apenas a capacidade de projetar o futuro, acreditar radicamente em alguns lugares e em certos momentos. So- ciologicamente, assiste-se àquilo que chamaria de tribalização A criança para crescer precisa de um marco no horizon- do mundo, caracterizada pela importância cada vez maior te. É por isso que diz: quando crescer vou ser bombeiro. ou que os grupos étnicos vêm assumindo no mundo de hoje, qualquer outra coisa. O importante é que possa se pensar a si mesma, projetando-se um futuro. O mesmo acontece com dos deveres coletivos. O ideal do eu passou a se situar, a o adulto, precisa de idéias, representações que se interpo- partir daí, do lado de um desenvolvimento sem entraves das nham entre o momento presente e o fim da vida: a morte. O potencialidades do indivíduo. Deixou de se sentir atraído por deprimido é justamente aquele que não possui mais nenhu- um fora, por um dever, e dividido internamente por um con- ma ilusão a não ser a idéia da morte como único indício de flito que pode suscitar culpa e angústia.
um horizonte temporal e espacial. Ele é o avesso exato das Em nossos dias, afirma Ehrenberg, a depressão ameaça o normas de socialização. Não por acaso as pessoas vivem cada indivíduo como o pecado assombrava a alma dirigida para vez mais na base de pílulas da felicidade. Do Prozac ao Deus ou a culpa ameaçava o homem marcado pelo conflito.
Viagra, parece que a tal felicidade que, como dizia Freud, é o Vivemos em um mundo caracterizado por uma série de trans- objetivo dos homens, só em pílulas e na farmácia da esquina.
gressões sem interdições, de escolhas sem renúncias, razão Em vez de sonhos e utopias, temos no máximo discursos pela qual, mais que uma miséria afetiva, a depressão con- que prometem o fim da miséria e dias melhores, designando temporânea vem se transformando num modo de viver.
um bode expiatório culpado por todos os males e priori- Concordamos inteiramente com o autor. Cansados e va- tariamente pelo desemprego: a grande ameaça deste final de zios, agitados e violentos, vivemos um tempo sem futuro.
século. É isso que explica o recrudescimento das xenofobi- Somos, segundo H. Arendt, homens “ressentidos”. Ressen- as nos países industrializados, por exemplo, assim como a tidos contra tudo que nos é dado, inclusive nossa própria violência cada vez mais exacerbada contra os excluídos do existência, ressentidos contra o fato de que não somos cria- sistema no Brasil. Chacinas cotidianas, violência contra os dores nem do universo nem de nós mesmos. Levados por sem-terra, invasão do Carandiru e chacina da Candelária, não esse ressentimento fundamental a não ver o menor sentido no mundo tal como se apresenta, o homem moderno, na Era possível até pouco tempo atrás lutar coletivamente opinião de H. Arendt, proclama que tudo é permitido e crê contra o patrão ou contra uma classe, mas como lutar contra secretamente que tudo é possível. Sempre segundo a autora, a globalização? O cidadão moderno está sem rumo e ora se a gratidão é a única alternativa ao niilismo do ressentimen- refugia na indiferença, ora parte para a violência contra aquele to, gratidão fundamental pelas coisas elementares que nos que imagina estar impedindo sua “felicidade”, roubando-lhe são dadas: a própria vida, a existência do homem e o mun- algo que no fundo nunca lhe pertenceu.
do. E aqui é fundamental salientarmos que são os homens, e Atribuímos a essa falta de projetos, coletivos ou indivi- não o homem, que habitam o mundo. E os homens incluem duais, o fato de a depressão ter-se tornado nos dias de hoje esses miseráveis que evitamos, dos quais nos desviamos, dos um mal social, a ponto de poder afirmar que o deprimido se quais sentimos medo e que nos são indiferentes. Enquanto o tornou hoje em dia a figura patológica desse final de século, indivíduo contemporâneo não reencontrar sua capacidade como afirma A. Ehrenberg em seu livro La fatigue d’être de revolta e indignação, continuaremos em pleno ressenti- soi (1998), no qual explora as formas extremas do individua- mento e longe de qualquer possibilidade de gratidão.
lismo contemporâneo. Em sua obra, o termo depressão re-cobre um conjunto heterogêneo de sintomas: astenia, indi- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ferença, inibição, embotamento do corpo e do pensamento.
O deprimido, a seu ver, sente como que uma espécie de can- ANCORI, B. “Effacement du tiers et identité du sujet. Les leçons de la Grèce ancienne et de l’Occident médiéval”. In: Figures du sujet dans la modernité.
saço de existir, não deseja, e se sente vazio.
EDELMAN, B. “Relire malaise dans la civilisation”. Cesure, n.4, 1994.
O que estará acontecendo? Sempre na reflexão, a nosso EHRENBERG, A. La Fatigue d’être soi. Paris, Editions Odile Jacob, 1998.
ver, bastante original do autor, a depressão do indivíduo FINKELKRAUT, A. A humanidade perdida. São Paulo, Ática, 1998.
contemporâneo é conseqüência de duas transformações: uma FREUD, S. “Considérations actuelles sur la Guerre et sur la Mort”. In: Essais de psychanalyse. Paris, Petite Bibliothèque Payot, 1984.
interna e outra externa. Do ponto de vista social, ela tem a __________ . Deuil et melancolie in metapsychologie. Paris, Gallimard, 1968.
ver com o declínio do modelo disciplinar que obrigava os __________ . Malaise dans la civilisation. Paris, PUF, 1971.
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respeito à autoridade. E, do ponto de vista psicológico, ela é KOLTAI, C. “Conferência 68”. Família e modernidade, ano II, n.2, set. 1998, p.17-25.
a patologia de uma sociedade em que a norma não é mais LANDMAN, P. “Quelques élements cliniques de l’exclusion”. Revue Internationale de Psychanalyse, n.6 “La Cruauté du Collectif”, 1997.
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ZYGOURIS, R. “De alhures ou de outrora ou o sorriso do xenófobo”. In: O es- bertado dos sistemas de coerção e inscrição nas instâncias trangeiro. São Paulo, Escuta, 1998.

Source: http://www.seade.gov.br/produtos/spp/v13n03/v13n03_09.pdf

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Introduction to Machine Learning and Data MiningProf. Dr. Igor Trajkovski, NYUS, Spring 2008– Recommending– Google / Yahoo like directory classification– Recommending– spam filtering– Sentiment analysis for marketing– classification– Personalized newspaper– Prioritizing – Folderizing– spam filtering– Advertising on GmailIntroduction to Machine Learning and Data MiningP

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The Legacy of Paul Erdős Abstract Paul Erdős (Erdős Pál, 1913-1996) was one of the most influential mathematicians of the twentieth century. Erdős’ generation exhibited great talent due in part to the social and cultural changes between 1870 and 1930. In the 1930s, the Jewish Erdős left Hungary due to the worsening political climate, and eventually began a nomadic lifestyle

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