TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO NOS CRIMES SExUAIS CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: O AR
TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO NOS CRIMES SEXUAIS CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: O ART. 111, V, DO CP (LEI 12.650/2012)
Publicada na edição de 18.05.2012 do Diá-
rio Oficial da União e de aplicação imediata, a Lei 12.650 trouxe nova hipótese de termo inicial
texto para discussão recebido em 05/06/2012
da prescrição da pretensão punitiva antes do
trânsito em julgado da sentença. Agora o art. 111
do Código Penal conta com o inciso V, segundo o qual, nos delitos contra a dignidade sexual de
crianças e adolescentes, previstos no CP ou em
legislação especial, o prazo prescricional terá
início na data em que a vítima completar 18 anos,
salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal.
Art. 111 - A prescrição, antes de transitar
em julgado a sentença final, começa a correr:
V - nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste
Código ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal.
A modificação merece aplausos. As pecu-
liaridades de casos envolvendo violência sexual contra crianças e adolescentes geralmente se pau-
tam por uma involuntária e indesejável “mudez jurídica” das vítimas, por vezes desassistidas pelo Estado ou por seus familiares, situação que se agrava em razão da sua especial condição de pessoas em desenvolvimento, e outras vezes
1 Professor de Direito Penal e Processo Penal do Curso Ordem Mais. Mestre em Direito (PUC/PR). Especialista em Direito Criminal (UniCuritiba).
Assessor jurídico do Ministério Público Federal. www.daniloandreato.com.br – [email protected].
2 Professor Assistente de Processo Penal da UFBA. Mestre em Direito Público (UFPE). Professor da Escola Superior do Ministério Público da União
(ESMPU). Procurador da República na Bahia (MPF). Membro Fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP). Editor do
Blog do Vlad (www.blogdovladimir.com).
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porque são subjugadas pelos pais, padrastos ou ação é oferecê-la, propô-la, apresentá-la em juí-
parentes próximos, autores comuns de violência zo. Se o Ministério Público propuser a denúncia
sexual intrafamiliar. Aplausos para o legislador no sexagésimo dia calculado do cumprimento brasileiro, que postergou o termo inicial da con-
dessa cautelar patrimonial e o juiz recebê-la
tagem do prazo da prescrição para o momento somente dias depois, será caso de levantamento
em que o ofendido atingir a maioridade civil e da constrição por suposta desobediência do prazo puder, por si mesmo, adotar providências para fixado no art. 131, I, CPP? Cremos que não. De
a responsabilização penal do agente, segundo o igual maneira, o art. 129, I, da Constituição prevê
como função institucional do Ministério Público
Além da ressaltada singularidade da regra “promover, privativamente, a ação penal pública,
trazida pela Lei 12.650/2012, também merece na forma da lei”, ou seja, a propositura de de-
destaque a terminologia empregada ao final do núncia consiste em atribuição privativa do MP.
inciso V do art. 111 do Código Penal, ao prever, Por coerência, a acepção processual dos verbos
a título excepcional, que o prazo prescricional “propor” (art. 111, V, CP), “intentar” (art. 131,
começará a transcorrer se, antes de a vítima I, CPP), “oferecer” (art. 102, CP), “promover” completar 18 anos, houver sido proposta a ação (art. 129, I, CF) e congêneres há de ser unívoca
penal. Assim, na espécie, a propositura da ação no que se refere à ação penal, estejam eles na penal deverá ser tomada como o marco de iní-
Constituição, no CP, no CPP ou na legislação
cio da contagem do lapso prescricional. A ação extravagante. se considera proposta no dia da sua entrada no
Fechados os parênteses desse breve exame
protocolo judicial. Por sua vez, o curso da pres- etimológico, haveremos de reconhecer que a
crição será interrompido mediante o recebimento inovação legislativa quanto ao início da pres-
da ação penal (art. 117, I, CP), na forma do art. crição estipulado na excepcional hipótese da
396 do CPP. Uma coisa é o início do cômputo da parte final do inciso V do art. 111 do Código
prescrição (art. 111 do CP); outra, a interrupção Penal (“salvo se a esse tempo já houver sido
do seu prazo (art.117 do CP), que é “zerado” e proposta a ação penal”) gerará as costumeiras
celeumas doutrinárias, caso se sustente que, no
A primeira interrupção da prescrição da novo dispositivo, a expressão “proposta” deva
pretensão punitiva regula-se por dispositivo ser lida como “recebimento”, ideia já defendida
próprio, que não admite a mera propositura da pelos professores Eduardo Luiz Santos Cabette3,
inicial (denúncia ou queixa) como idônea a zerar Ivan Luís Marques4 e Rogério Sanches Cunha5.
o prazo prescricional, exigindo-se que o juiz a Não nos parece adequada essa tese. O curso do receba no sentido jurídico (art. 396 do CPP). prazo prescricional permanecerá represado até
Não se desconhece que o oferecimento (proposi-
a vítima completar 18 anos, a não ser que, antes
tura) da denúncia ou queixa funciona como limite disso, haja o oferecimento da ação penal, fato que
para configuração ou higidez de determinados inaugurará o curso da prescrição da pretensão
atos processuais lato sensu, como acontece na punitiva antes do recebimento da inicial pelo
retratação da representação do ofendido, somente juiz, uma vez que o recebimento é hipótese de
cabível se apresentada até o oferecimento da peça interrupção da prescrição, e não o primeiro termo
acusatória (art. 102, CP). é fora de dúvida que inicial (o ponto “originário”) da sua contagem.
o simples aforamento da ação penal impede que Ler “recebimento” onde o inciso V diz “proposi-
a vítima se retrate da representação formulada.
tura” significa conferir interpretação ampliativa
Ainda para ilustrar, segue-se a mesma in- à norma penal em prejuízo do acusado, devido
terpretação no art. 131, I, do Código de Processo à dilatação artificial do período de contenção do
Penal, que impõe o levantamento da medida prazo prescricional, pois é seguro afirmar que
assecuratória de sequestro “se a ação penal não este, ao transcorrer, favorece-o. Por certo, regras for intentada no prazo de 60 dias, contado da data restritivas de direito devem ser interpretadas
em que ficar concluída a diligência”. Intentar a restritivamente.
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Código Penal, isto é, começará a correr nor-
Art. 117 - O curso da prescrição inter- malmente da data do fato ou da cessação da rompe-se: atividade criminosa na tentativa, como sempre foi. Tal interpretação é mais benéfica para o
I - pelo recebimento da denúncia ou da suspeito, pois haverá mais tempo de prescri- ção decorrido entre a data do fato e a data
Ainda que afastada tal interpretação, outras do recebimento da denúncia, do que entre a
incertezas exegéticas surgirão. Se a ação penal data da propositura desta e o momento do seu
não for proposta antes que a vítima atinja a maio- recebimento. Ademais, esta saída não confere
ridade, não há dúvida. O termo inicial da prescri- à ressalva da parte final do inciso V do art. 111
ção será a data do seu 18º aniversário. Somente do CP nenhum significado jurídico implícito.
quando a vítima completar 18 anos começará a
De fato, ao apresentar o PL 234/2009, o
correr a prescrição (termo inicial). Porém, se a senador Magno Malta disse textualmente em ação penal quanto ao crime sexual contra menor sua justificativa: “Alcançando a maioridade, a for proposta ainda durante sua menoridade, o vítima assume as condições para agir por conta
curso do prazo prescricional se iniciará em mo- própria. Propomos, então, que somente a partir
mento distinto. Aqui há duas interpretações desta data comece a correr o prazo prescricio- possíveis sobre o novo inciso V do art. 111 do nal, salvo se já proposta a respectiva ação penal, CP. E nisto o legislador não contribuiu para quando prevalecerão as disposições atualmente a segurança jurídica. Vejamos: vigentes, previstas nos incisos I e II, conforme 1. Primeira posição: maioridade atingida o caso” (aqui). Vê-se, pois, que a mens legis com ação penal já proposta: o termo inicial da não abrangeu a hipótese de criação de dois
prescrição terá sido a data do oferecimento da novos marcos iniciais do curso da prescrição denúncia (o inciso V repele a incidência dos para os crimes sexuais contra menores, mas incisos I e II, todos do art. 111 do CP – lex spe- apenas um deles: o atingimento da maioridade cialis derogat lex generali). É hipótese menos pela vítima. favorável ao acusado do que a seguinte. Contudo, talvez a hipótese 2 não aten- 2. Segunda posição: maioridade atingida da à intenção do legislador, que foi exata e com ação penal já proposta: o termo inicial da inequivocamente a de dificultar a prescrição
prescrição terá sido a data do fato tentado ou em tais casos e ampliar a efetividade da per- consumado (o art. 111, incisos I e II, do CP per- secução criminal de abusadores de crianças
manece íntegro). é solução mais favorável para e adolescentes. Ademais, o cenário decorrente o acusado do que a anterior nesta lex gravior.
da aplicação da solução 2 pode ser afastado mediante mera estratégia processual do Mi
Conforme a hipótese 1, o prazo prescricio-
nal só começará a contar quando a ação penal nistério Público. Imaginemos que o fato (por
for proposta, ainda antes de a vítima completar exemplo, corrupção de menores – art. 218 do
18 anos. Portanto, esta solução indica que o art. CP) tenha ocorrido quando a vítima tinha exa-
111, V, do CP é norma especial em relação ao art. tos 4 anos. O prazo prescricional é de 12 anos 111, incisos I e II, e instituiu dois novos marcos (art. 109, III, CP). Digamos que a conduta iniciais de contagem da prescrição, ou seja, a tenha sido descoberta durante a menoridade
maioridade civil da vítima (e” 18 anos); ou a da vítima e a ação penal esteja pronta para ser data em que a ação penal for oferecida, quando proposta quando o menor completou 17 anos. aquela ainda for menor (0 a < 18 anos).
deramos, o marco inicial da prescrição será a
Segundo a hipótese 2, se a ação penal já
tiver sido proposta antes da maioridade da vítima, propositura da denúncia, e, obviamente, ainda
não terá havido o início do prazo de 12 anos e,
a contagem do prazo de prescrição seguirá portanto, naquele instante ainda não terá ocor as regras gerais do art. 111, incisos I e II, do
rido essa causa de extinção da punibilidade. Tal
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fenômeno só poderá realizar-se dali para diante. continuará a ocorrer no recebimento da denúncia
Pela regra 2, a prescrição já terá ocorrido se a ou queixa pelo juiz (art. 117, I, CP). O problema ação for proposta naquela ocasião, antes do 18º está, portanto, apenas em saber qual o dies a quo
aniversário da vítima, porque desde a data do fato da prescrição nos casos de vítima menor, em ou da tentativa (termo inicial) terão transcorrido que a ação penal pelo crime sexual tenha sido 13 anos, prazo superior ao legal, na situação que proposta antes de sua maioridade: 1) a data da
tomamos de exemplo. Aqui a inovação legislativa propositura da ação penal (denúncia ou queixa);
em prol das vítimas menores seria inócua. que ou 2) a data da consumação do crime ou a data
fazer? Bastaria ao Ministério Público retardar a da tentativa criminosa, como era a opção inicial
propositura da ação penal para momento pós- do Congresso Nacional quando da apresentação
maioridade da vítima, quando, curiosamente, do PLS 234/2009 (depois PL 6.719/2009)7.
a mesma ação penal poderia ser proposta pelo
Portanto, embora a segunda interpretação
Parquet, observando-se o novo marco inicial da pareça mais garantista e harmônica com o prin-
prescrição, a completude dos 18 anos de idade. cípio da legalidade penal estrita, porque não con-
Trocando em miúdos, a prevalecer a solução 2, fere enforcement a sentidos implícitos da norma
a melhor saída para o Ministério Público será penal nem afasta a regra geral do art. 111, incisos
postergar a deflagração da ação penal para de- I e II, do CP, é a primeira solução a que mais se
pois da maioridade da vítima, de modo que uma aproxima da vontade do constituinte originário
ação penal prescrita poderá milagrosamente
transformar-se em ação penal viável.
e do princípio constitucional da proteção inte- gral previsto no art. 227 da Constituição Federal
Conclui-se que a limitativa intenção inicial e em várias passagens da Lei 8.069/90 (Estatuto
do legislador não poderá ser alcançada, pois a da Criança e do Adolescente). Esta solução é tam-
cláusula de garantia negativa (hipótese 2) po- bém aquela que dá maior densidade aos arts. 19
derá ser facilmente contornada, mediante o uso e 34 da Convenção das Nações Unidas sobre os
legítimo de disposição legal contida na própria Direitos da Criança de 1982 (Decreto 99.710/90)
norma originadora da controvérsia. Como re-
e aos arts. 3º, n. 3, e 8º do seu Protocolo Faculta-
solver esta aparente incongruência no espaço de tivo de 2000 sobre Tráfico, Prostituição e Porno-
proteção ampliada? Com a adoção da solução 1, grafia Infantil (Decreto 5.007/2004). é também a
que é mais coerente com o “dolo abrangente” do solução mais compatível com a lógica interna do
legislador, que foi o de dificultar a prescrição em novo dispositivo, o inciso V, do art. 111 do CP.
casos de violência sexual contra menores, à luz
do princípio da proteção integral e com esteio
Em suma, uma coisa é o que pretendeu
no caput e no § 4º do art. 227 da Constituição:
fazer o legislador; outra coisa é o que ele real-
mente fez. Para nós, havendo crime sexual contra
Art. 227. é dever da família, da sociedade criança ou adolescente, a prescrição começa a
e do Estado assegurar à criança, ao adoles- correr do dia em que a vítima completar 18 anos
cente e ao jovem, com absoluta prioridade, (art. 111, V, do CP). Se a ação penal pertinente for
o direito à vida, à saúde, à alimentação, à proposta antes da maioridade da vítima, o termo
educação, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberda
inicial da prescrição será a data do protocolo do
de e à convivência familiar e comunitária, escrito de acusação em juízo (art. 111, V, parte
além de colocá-los a salvo de toda forma final, do CP), e não a data do fato. Mesmo de-de negligência, discriminação, exploração, pois da nova lei, o primeiro marco interruptivo violência, crueldade e opressão. [.]
da prescrição continua a ser o recebimento da
denúncia ou queixa pelo juiz (art. 117, I, CP c/c
§ 4º - A lei punirá severamente6 o abuso, o art. 396, CPP). a violência e a exploração sexual da criança e
De qualquer modo, a modificação introdu-
do adolescente.
zida pela Lei 12.650/2012 – apelidada pela CPI
Qualquer que seja a posição adotada
da Pedofilia de Lei Joanna Maranhão – não se
(1 ou 2), a interrupção do prazo prescricional aplicará aos crimes contra a dignidade sexual de
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crianças e adolescentes – basicamente os do art.
213 ao art. 234-B do Código Penal e dos arts.
240 e 241, do art. 241-A ao art. 241-E, e dos
arts. 244-A e 244-B do ECA – ocorridos antes de 18.05.2012, data em que entrou em vigor e
declarada Dia Nacional de Combate ao Abuso e
à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes
(Lei 9.970/2000). Isto porque o adiamento do
início da contagem do prazo prescricional se
traduz em alargamento do tempo fixado para a persecução criminal e para a imposição de san-
ções. Como se cuida de norma de direito material penal prejudicial ao investigado (lex gravior), sua
eficácia para o passado é vedada pelo art. 5.º, xL,
da Constituição Federal (princípio da proibição da retroatividade da lei penal in pejus). Não se
pode tocar o passado. Porém, para muitos abusa-
dores, “daqui pra frente, tudo vai ser diferente”.
3 Nova contagem do prazo prescricional para os crimes
contra a dignidade sexual praticados contra crianças e adolescentes (Lei n. 12.650/12). Jus Navigandi, Teresina,
ano 17, n. 3246, 21 maio 2012. Disponível em: http://jus.
com.br/revista/texto/21820. Acesso em: 21 maio 2012.
4 http://atualidadesdodireito.com.br/ivanluismar-
ques/2012/05/18/prescricao-dos-crimes-praticados-contra-
crianca-e-adolescente. Acesso em: 21 maio 2012.
5 http://www.editorajuspodivm.com.br/i/f/Termo%20inicial%20da%20prescriçã o%20crimes%20
sexuais.pdf. Acesso em: 21 maio 2012.6 Ao dizê-lo tão categoricamente, o constituinte incorpora nesse mandado expresso de criminalização os meios penais e processuais para atingimento da meta, inclusive com a previsão de prazos mais largos de prescrição que o viabilizem.
7 No parecer que apresentou na CCJ do Senado ao PLS
234/2009, o senador Aloízio Mercadante asseverou:
“argumenta-se que, alcanc‘ando a maioridade, a viìtima
assume as condic‘oÞes para agir por conta proìpria, razaÞo
pela qual se propoÞe que a prescric‘aÞo comece a correr
a partir desse instante, salvo se jaì tiver sido proposta
a ac‘aÞo penal, hipoìtese em que a prescric‘aÞo seria regulada pelos incisos I (crime consumado) ou II (crime
tentado) do art. 111 do CP, conforme o caso”, com o que sinalizou que se pretendia manter a regra geral do art. 111,
I, do CP, nos casos de propositura de ação penal antes da
maioridade da vítima de abuso sexual.
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